Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A lua e a mulher

Que afinidades especiais pareciam existir entre a lua e a mulher?

Sua antiguidade em preceder e sobreviver a sucessivas gerações telúricas: sua predominância noturna: sua dependência satélica: seu reflexo luminar: sua constância sobre todas as fases, erguendo-se e pondo-se em suas horas indicadas, ficando cheia e sumindo: a invariabilidade forçada de seu aspecto: sua resposta indeterminada à interrogação inafirmativa: sua força sobre as águas efluentes e refluentes: seu poder de enamorar, mortificar, investir com beleza, tornar insano, incitar e auxiliar a delinqüência: a inescrutabilidade tranquila de seu rosto: a terribilidade de sua isolada dominante implacável resplendente propinqüidade: seus presságios de tempestade e calmaria: a estimulação de sua luz, seu movimento e sua presença: a advertência de suas crateras, de seus mares áridos, de seu silêncio: seu esplendor, quando visível: sua atração, quando invisível.

Ulisses, by James Joyce - Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, 2005.

Aquela conversa

Pois é isto que me aconteceu, acabamos tudo deste jeito.
De que jeito?
Abruptamente, como começamos.
Não me admira, vindo de você.
Pois fui capaz de admirar-me de mim mesmo.
Em que sentido?
Por terminarmos sem ter havido sentido algum...
Para terminarem?
Não, para continuarmos juntos.
Estranho...
Pois veja, não posso continuar com uma mulher com quem não sinto mais prazer.
Mas isso em tão pouco tempo!
Porque não falo de um desejo sexual por ela...
Não entendo.
Não tinha mais desejo de estar ao seu lado.
Como se ela lhe provocasse um mal-estar?
Exatamente!
Entendo o que quer dizer.
Você já sentiu a mesma coisa por alguém?
Sim, claro. Alguns homens depois de um tempo me enojavam...
Isso! Eis o que senti por ela!
E como ela se sentiu?
Nem me fale!
Diga!
Confesso que me fere ter de terminar essas relações sem um motivo aparente...
Sem um sentido...
Não havia mais sentido de continuarmos aquela relação.
Porque não havia mais sentido de estarem juntos...
Exato! E sofro por não sentir mais o desejo que me moveu a possuí-la...
E acaba por feri-la.
Que monstro que sou!
Não se desespere. É normal que aconteça.
Como normal?
O que sentiu por ela nada mais foi que desejo sexual.
Sim, um desejo impetuoso...
E que por sê-lo se desfez, como névoa.
Por que razão?
Porque seu coração não foi atingido.
Fala de amor?
Falo de torpor.
Queria ter sentido meu peito vibrar ao saber que a veria!
Não sentimos isso por todos que desejamos.
Mas é errado então desejar quem não nos atinge o peito?
Que há de errado em desejar por um instante?
E como saber que o outro também apenas lhe deseja?
Mas você se privaria do prazer de possuir o que deseja pelo outro?
E não deveria privar-me?
Quem suporia este dever senão o outro?
Mas não poderia eu também vir a ser o outro?
Mas ser o outro já não lhe mostraria a possibilidade de sofrer por isso?
E não deveria não desejar sofrer?
Mas por que supõe que o desejo não lhe faria sofrer?
E por que deveria desejar o que me faz sofrer?
Mas caso não, você não estaria se privando de certos desejos?
E não é o que deveria fazer? – Preciso saber!
Por quê?
Por que o quê?
Por que deveria fazer isso?
Não desejar o que me faz sofrer?
Isso, por que se limitar a desejar aquilo que não lhe faça sofrer?
Não estou certo em me pôr no lugar do outro?
Quanto ao seu desejo?
E como não?
Mas isso não seria um tanto impróprio?
Por que razão?
Você poderia dizer que o seu desejo sempre equivale ao desejo do outro?
Não estou parecendo claro, não?
Tem dúvida?
Esclareço então. Não posso negar que meu desejo seja tão variado quanto variados são os tipos de mulheres que se pode desejar. Meus olhos percorrem lugares e corpos, e quase sempre se detém naquele que provoca em meu corpo as sensações mais agradáveis. Vejo uma e suas pernas me provocam; outra e seus seios me instigam os sentidos; e não consigo deixar de não notar as curvas sinuosas e latentes de uma bela bunda à minha frente; e quando muito sou como que tomado de incontrolável pulsão sexual pelos gestos e olhares e tudo o que pode me excitar naquilo que ela parece com o corpo desejar sentir. De modo que me sinto terrivelmente seduzido ou por um belíssimo corpo – quando então o que desejo é prová-lo em todo o seu sabor – ou por um lascivo mistério – quando minha vontade não quer nada senão provar de todas as possibilidades que aquela criatura parece me oferecer. Contudo, deste primeiro momento poucas realmente acabam por se realizarem, já que não só depende da minha vontade, mas também da vontade alheia, para que o desejo se torne em prazer e não termine perecendo como frustração e sofrimento. E este é o primeiro ponto de onde começa uma necessária relação com o outro, da qual não se pode escapar – a não ser que eu esteja decidido a não me submeter aos critérios da vontade do outro, e resolva então procurar aquelas criaturas que me ofereceram o prazer que quero no corpo que desejo, sem me privar do instante: mas como, se o meu desejo não está em possuir a facilidade de pagar para realizá-lo, e sim no processo de conquistar o objeto de desejo para então possuí-lo? Quem paga para obter a lascividade da mulher se abstém de sofrer pela impossibilidade de ter o que deseja, mas acaba mergulhando na mais plena fatalidade de relacionar o poder que possui ao dinheiro e não a si mesmo.
Como que perdendo seu próprio valor por conferi-lo ao dinheiro.
E fazendo com que sua vontade sempre seja conduzida por esse tipo de poder, nunca tal sujeito poderá vislumbrar as reais possibilidades de desenvolver-se e cultivar-se. O homem de dinheiro corre o risco de perder seu potencial civilizador porque deixa de se importar com o cultivo de si, de sua alma – e isso tem sido minha preocupação constante: o cultivo da minha alma.
Mas poderíamos dizer que todo aquele que se relaciona com esses tipos perde sua cultura?
Tendencialmente é o que se pode concluir.
Sabe que está indo contra boa parte dos homens, não?
Importa-me saber se o que digo e o que faço é ou não coerente.
E acha que tem razão ao dizer isto dos homens de dinheiro?
Acredito que não posso elevar culturalmente uma relação como essa, mediada.
Elevar culturalmente?
Pôr em destaque, como ideais de convivência e de relacionamento humano.
Ou seja, aquilo que não eleva no homem sua humanidade?
Ou aquilo que o rebaixa à animalidade.
Então você está pondo a limitação como inerente ao desejo?
É o que inegavelmente nos ocorre quando em convivência, quando em relação com o outro.
Por isso é que não podemos nos livrar do sofrimento de não podermos ter muitas vezes o que desejamos?
E como poderíamos?
Pois isto ratifica o que eu disse antes...
Mas não totalmente.
Não vejo como não.
Discordamos exatamente no modo como tratamos o outro em nossos desejos. Se concordamos que sofrer pelo que se quer é inevitável, não entendemos do mesmo modo como este sofrimento pode nos polir e nos educar. Porque para você, o fato de haver um inevitável sofrimento na vontade, não significa que eu deveria por conta disso pensar no que posso estar causando ao outro, seja ao preteri-lo se ele se aproxima, seja negando a realização de seu prazer, seja ainda oferecendo-lhe tal realização por um instante menor que o de sua expectativa. Em todo o caso, devo fazer aquilo que desejo.
É o que digo.
Pois sendo assim, o sofrimento do outro nada significa para a nossa vontade.
De modo algum.
E então o que sobra?
Cada um fazendo aquilo que deseja, sem medo de vir a sofrer por não realizá-lo.
Mas esta diferença entre as nossas visões acerca da relação com o outro se deve justamente pela concepção de desejo da qual não partilhamos. Para você, o desejo está primeiro na propensão a se relacionar intimamente com o outro. Mas não creio que possamos resumir o desejo apenas a este ponto. Porque nada nos parece menos humano e bárbaro que o desejo tomado nele mesmo e somente naquilo que o origina. O que quero dizer – não posso condensar todo meu desejo por uma mulher em seu corpo instigante e em sua libido avassaladora e misteriosa. O problema está justamente em não se resumir a uma constante caça selvagem ao prazer as relações entre os homens. Não se pode negar que a dimensão ‘espiritual’ que constitui tudo aquilo que denominamos como humanidade se vislumbra tão somente no espírito, não no corpo.
Estou entendo o que você quer dizer...
Não tento mostrar uma separação entre o desejo carnal e o espiritual, mas antes ressaltar que o problema do desejo e do outro se potencializa quando agregamos a dimensão de alma humana, seus desejo e suas vontades.
E o que podemos concluir?
Não pretendo concluir: apenas mostrar de algum modo aquilo que tanto me faz sofrer, pelo modo como terminei este relacionamento.
E o que acha então de sairmos está noite?
Por que razão?
Porque além de saber que você me deseja – ainda que não tenha me dito isso eu sei que o sente – eu pareço ter descoberto uma forte atração pelo seu espírito, pela sua alma, não só pelo que você disse, mas principalmente pelo que você me mostrou realmente ser.
E isto lhe fez desejar sair comigo?
Reitero o convite.
Pois isto muito me surpreende...
Não te deveria surpreender as coisas do espírito.

terça-feira, 28 de outubro de 2008














Quero pôr meus pés na terra molhada
Quero entender que o amanhã
Incerto como a mais certa das hipóteses
Leva minha vida, minha cor, leva-me
Como que pelo vento do que não é ainda
Sem saber que pouco sabe o vento
Seja de onde vem, seja para onde vai

Quero pôr-me sob os galhos de uma árvore
Sob a sombra entardecida de Outono
Onde belas flores jazem mortas
Onde não mais se ouve a voz dos pássaros
O canto que florescia à luz do dia
Que não mais floresce hoje em dia
Sou levado tão somente a compor.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Momento fugaz, que anseia ser perene


















O que vou dizer de fato não é nenhuma novidade - mais uma vez o populismo e a máquina do governo levaram mais uma eleição. O problema, contudo, é que isto se deveu em grande parte à estratégia política, executada pelo Governo Estadual em parceria com a União, de levar para bem longe uma parcela significativa dos cidadãos cariocas. Sim, me refiro a brilhante jogada de adiantar o feriado do servidor público destas duas esferas, de terça para segunda, emendando aqueles tão queridos e louvados "feriadões" pelo qual espera ansioso todo justo trabalhador [incluindo-me entre esses, claro]. O problema é que esse "feriadão" poderia comprometer o futuro de toda a cidade do Rio nos próximos quatro anos - E não é que comprometeu? Pois está aí, meus queridos - Há algum? - leitores: elegemos o "nosso" prefeito e pagaremos a pena por isso. Mas como: elegemos, nosso? Longe de mim! O problema é que, mesmo não fazendo parte da terrível massa que votou pela Paes, e o que é mais impressionante, não tendo fugido do meu dever cívico para alguma das incontáveis praias deste litoral abençoado, pagarei juntamente com todos por essa omissão, por esse descaso com a cidade e com seu futuro, cidade que possuía uma oportunidade histórica de tomar novo rumo e alcançar melhores ares... mas preferiram Paes... Se pudéssemos responsabilizar os culpados, condená-los! Mas quem? Os justos trabalhadores da máquina do governo, que preferiram o sol e as ondas a se imiscuírem em mais um pleito sem sentido? A massa votante que pelas ruas, pelos santinhos espalhados pela cidade, pelos cartazes dependurados nas janelas e nos carros, bradavam em alto e bom som a vontade de terminarem tudo em Paes? A nós que exercemos nosso dever de cidadãos e comprometidos com o futuro da cidade optamos pela cultura e não pelo populismo? De quem é a culpa? Parece-me que o verdadeiro culpado de tudo isso - e não posso resistir em dizer, porque esse demônio que se pôs ao meu lado não para de me perturbar com essas palavras! - Sim, me parece que o verdadeiro culpado, aquele que deve ser responsabilizado por todo o descaso e atraso e fracasso de uma cidade gloriosa, é ele, senão outro - Certamente devemos culpar este que ainda é o "nosso" prefeito: mais uma vez devemos culpá-lo, Cesar Maia! É sua a culpa por não ter também aderido a esta manobra política de adiantar o feriado, obrigando seus pobres e vitimados servidores municipais a comparecerem às urnas e decidirem pelo futuro sozinhos. Sim, o demônio tem razão - Cesar Maia é o culpado, o único e ninguém mais! Viva os cidadãos maravilhosos da cidade maravilhosa! (sic)

domingo, 26 de outubro de 2008

Um protesto - ou uma lição!









Eleitor faz protesto na hora do voto, em Pelotas (RS)

Nunca mais

Mais um dia que eu a via sem lhe dirigir qualquer palavra. Queria dizer o quanto a admiro, a desejo, mas parece que as palavras fogem pela covardia. Covardia como falta de coragem – Falta-me coragem para lhe dizer o que sentia.
Às vezes ela havia sorrido para mim. Claro que já havíamos trocado algumas frases, sempre referentes ou à aula ou à matéria, nunca nada além disso. Houve uma vez que ela tentou falar sobre uma dificuldade que estava tendo em chegar mais cedo para estudar. Algo por demais trivial, como quase sempre acontece entre colegas de classe – Mas por que não consegui dar seguimento? Por que não indagar um pouco mais sobre os motivos que a faziam não conseguir chegar cedo à faculdade? Por que não provocá-la para que ela enfim falasse sobre si mesma – para que então eu pudesse falar sobre mim? Por que minha boca se fechava ao mais ínfimo desejo de confessar o que sentia?
Ela era uma garota muito interessante. Talvez fosse por isso que meus lábios estavam imobilizados. E se soubesse que nunca mais a veria, que nossas vidas seguiriam rumos tão diversos, que nos afastaríamos por tanto tempo! Pois ontem, quando a vi na fila de uma peça de teatro, lindamente vestida, completamente divina – Ah, quanto tempo faz! Teria então coragem para lhe dizer o que há tanto tempo sinto por ela? Mas seria este sentimento o mesmo que aquele de doze anos atrás? Dez anos depois, meus olhos ainda me convenciam de que sim, que era ainda o mesmo sentimento. Talvez uma paixão ardente, um fogo inextinguível – Talvez fosse amor, como por nenhuma outra mulher eu havia sentido.
Pouco mais de doze pessoas me separavam dela. A fila permanecia imóvel, à espera do espetáculo. Ela conversava com outra mulher. Pareciam grandes amigas. Isso me deixava com receio. Depois de dez anos, falar de algo que ela mesma nem se recorda, diante de uma pessoa desconhecida... Passaria por louco, certamente. Mas estou louco de amor! Amo aquela mulher, como a nenhuma outra! Devo lutar por ela? – Não devo. Serei incompreendido. Neste momento, passarei apenas por inconveniente - e não quero esse fardo.
Um cara se aproximou das duas. Pôs-se ao lado dela e... ele a beijou! – Não pode ser, beijou a mulher que amo! Não, não é verdade! Como posso tê-la perdido? Assim, sem tentar ao menos? Dói-me tanto o peito! Ela nunca saberá tudo aquilo que senti... Saí da fila do teatro e da vida dela, para sempre. E estarei para sempre ferido em meu peito. Para sempre dilacerado pelo meu próprio destino.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008













Um pingo que alivia o ser - prazer!

Uma metáfora, uma imagem - um amor

É por essa força, só minha
Que como o mar impetuoso
Avança sem temer o nada
Tal as ondas na madrugada
Senti-me inerte, e temeroso
Perdi o ser que eu não tinha

O choque das rochas e o mar
Tão dura vida, e generosa
Fez-me entender meu ser ali
E como deveria, sorri
- maresia maravilhosa -
Na dor que desvela este amar

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Conversa sobre Deus

Tudo o que tenho, foi Deus quem me deu! - Disse ela.
Talvez ela concorde também que tudo que ela não tem foi Deus que não lha deu; e portanto, que vem de Deus tanto a riqueza quanto a pobreza, e depende dele tudo que temos e não temos - Mas já aí ela talvez perceberia que o caráter desse Deus não condiz com a bondade que ele professa, tornando absurdo o fato de ele ser considerado como aquele que sustenta a justiça. Seria justo que a ela fosse dado e a outro não, ou ao contrário? Que critério de preferência pode ter um Deus que julga a todos igualmente? Pelos méritos? Que méritos, se tudo que ela tem foi Deus que lhe deu? Não poderia ser que ela tivesse conquistado o que hoje ela tem, porque tudo vem de Deus, de modo que aquilo que ela possui é resultado da vontade de Deus em abençoá-la. Mas qual o critério de seleção para ser abençoado? - A vontade de Deus, ela ouve dizer. Seria essa vontade mero gosto, decorrente de uma predileção qualquer? Ela responde a si mesma - Decorre das nossas boas ações... Então, tudo que fazemos, se são boas ações, provocam a graça ou a desgraça. Exato, a culpa é nossa! Mas isso mostra que não somos de modo algum iguais uns aos outros, e que decorre justamente desta diferença o critério de Deus em agraciar ou desgraçar alguém. Mas aqueles que são ruins, ou bons, não o são devido a sua natureza? E se alguém nasce ruim, é justo desgraçar aquele que já é por existir desgraçado? - Mas as pessoas não nascem ruins ou boas, tornam-se ruins ou boas, disse ela ainda. Então elas nasceriam iguais? Mas se elas nascem iguais, o que é igual não tem as mesmas oportunidades? E isso é justiça! Mas como dar as mesmas oportunidades a uns que são bons e a outros que são maus? Se a mim que faço o bem são dadas as mesmas oportunidades que àqueles que fazem o mal, que justiça há nisso? - A justiça virá pela recompensa! Exclamou ela - Aos que fazem o bem, riqueza; aos que fazem o mal, pobreza. Oh, que maravilhosa filosofia! Mas me diga ainda, segundo sua crença, todos os ricos são bons e todos os pobres são maus, não é assim? Porque a mim me parece por vezes que se dá exatamente o contrário! Mas como, não é Deus que controla tudo aquilo que temos ou não temos? Não é ele que nos dá tal oferta? Como ele daria riqueza ao que não lhe faz o bem? Não te parece que tudo isso o faz um Deus na verdade injusto?
E ela emudeceu, e foi-se.













Na jangada inerte no mar
Teve sorte em estar tão calmo
Pois se diverte ao pescar
E forte, traz a fé no palmo

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Eu preciso de você!













Duas mentes racionais: prima causa da linguagem – o logos, que faz nascer o homem, nasceu antes de dois homens.

The waves of my life

The sun had not yet risen. The sea was indistinguishable from the
sky, except that the sea was slightly creased as if a cloth had
wrinkles in it. Gradually as the sky whitened a dark line lay on
the horizon dividing the sea from the sky and the grey cloth became
barred with thick strokes moving, one after another, beneath the
surface, following each other, pursuing each other, perpetually.

As they neared the shore each bar rose, heaped itself, broke and
swept a thin veil of white water across the sand. The wave paused,
and then drew out again, sighing like a sleeper whose breath comesand goes unconsciously.

The amazing beginning of Waves, by Virgínia Woolf.
It's my reflection [or my own soul]

Um momento filosófico, perene...


Assim, avante no caminho da sabedoria, com um bom passo, com firme confiança! Seja você como for, seja sua própria experiência! Livre-se do desgosto com seu ser, perdoe ao seu próprio Eu, pois de toda a forma você tem em si uma escada com cem degraus, pelos quais pode ascender ao conhecimento. A época na qual, com tristeza, você se sente lançado, considera-o feliz por essa fortuna: ela lhe diz que atualmente você partilha experiências de que homens de uma época futura talvez tenham de se privar. Não menospreze ter sido religioso; investigue plenamente como teve um genuíno acesso à arte. Não é possível, exatamente com ajuda de tais experiências, explorar com maior compreensão enormes trechos do passado humano? Não foi precisamente neste chão que às vezes tanto lhe desagrada, no chão do pensamento impuro, que medraram muitos dos esplêndidos frutos da cultura antiga? É preciso ter amado a religião e a arte como a mãe e a nutriz – de outro modo não é possível se tornar sábio. Mas é preciso poder olhar além delas, crescer além delas; permanecendo sob o seu encanto não as compreendemos. Igualmente você deve familiarizar-se com a história e o cauteloso jogo dos pratos da balança: “de um lado – de outro lado”. Faça o caminho de volta, pisando nos rastros que a humanidade fez em sua longa e penosa marcha pelo deserto do passado: assim aprenderá, da maneira mais segura, aonde a humanidade futura não pode ou não deve retornar. E, ao desejar ver antecipadamente, com todas as forças, como será atado o nó do futuro, sua própria vida adquirirá o valor de instrumento e meio para o crescimento. Está em suas mãos fazer com que tudo o que viveu – tentativas, falsos começos, equívocos, ilusões, paixões, seu amor e sua esperança – reduza-se inteiramente a seu objetivo. Este objetivo é tornar-se você mesmo uma cadeia necessária de anéis da cultura, e desta necessidade inferir a necessidade na marcha da cultura em geral. Quando o seu olhar tiver se tornado forte o bastante para ver o fundo, na escura fonte de seu ser e de seus conhecimentos, talvez também se tornem visíveis para você, no espelho dele, as distantes constelações das culturas vindouras. Você acha que uma vida como essa, com tal objetivo, seria árdua demais, despida de coisas agradáveis? Então não aprendeu ainda que não há mel mais doce que o do conhecimento, e que as nuvens de aflição que pairam acima lhe servirão de úberes, dos quais você há de extrair o leite para seu bálsamo. Apenas ao chegar à velhice você nota como deu ouvidos a voz da natureza, dessa natureza que governa o mundo inteiro mediante o prazer: a mesma vida que tem seu auge na velhice tem seu auge na sabedoria, no suave fulgor solar de uma constante alegria de espírito; ambas, a velhice e a sabedoria, você as encontra na mesma encosta da vida, assim quis a natureza. Então é chegado o momento, e não há por que se enraivecer de que a névoa da morte se aproxime. Em direção à luz – o seu último movimento; um grito jubiloso de conhecimento – o seu último som.


Aforismo 292 - Humano, demasiado humano, Friedrich Nietzsche