Posta assim, como ideal a ser alcançado pelo homem, continuamente, a visão perfeita obscurece algo que se faz latente e que mostramos já na primeira parte - a nossa natural deficiência para ver. pois quando pensamos melhor enxergar as coisas, quando elas se nos apresentam mais definidas, mais delimitadas, menos obscuras, acreditamos conhecer assim melhor estas mesmas coisas, melhor que os borrões de cores e de luminosidade de uma visão deficiente. Contudo, não há visão perfeita - ela permanece sempre um ideal para o homem, um ideal inalcançado, como também nos é o ideal do conhecimento. Estamos limitados naturalmente a ver de um determinado modo, e ainda que a filosofia nos permita superar aquelas grosseiras incapacidades de ver o mundo e a si mesmo, jamais alcançaremos o conhecimento-visão definitivos. Isto sempre nos será uma meta, um fim, um objetivo demasiadamente humano.
Embora o pensamento nos auxilie a ver melhor, não se pode desprezar a intuição confusa e indefinível de nossa visão primeira, fundamental. A tentativa constante do pensamento é de fazer com que o outro seja capaz de enxergar aquilo que estamos vendo pela intuição, ainda meio borrado, sem definição plena. Mesmo o pensamento só pode se voltar para esta visão parcial, indefinível, para encontrar o motivo de sua atuação - mas poderíamos perguntar: será a intuição uma deficiência de visão, como muito nos deixam entender? O avanço da ciência oprimiu significativamente toda a possibilidade de uma visão intuitiva. Ela configura até hoje o império soberano da razão. A intuição foi jogada aos limites da arte. E a filosofia deve, justamente neste ponto, separar-se da ciência - a filosofia, como busca da plena capacidade de ver o mundo e a si mesmo, não pode incorrer no erro científico e desprezar as nuances da razão. Pensamento e intuição não são formas antagônicas de ver o mundo, mas a única forma que o homem possui de enxergar plenamente a verdade. Embora isto lhe seja sempre um ideal.