Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

domingo, 22 de março de 2009

Seu silêncio



Falo, mesmo muda falo

sem palavras, sons ou nada

porque me revelo, calo

no velo da face marcada.


E se na face não falo

sem som, boca emudecida

pareço - pereço esmaecida;


que não me tomem apressada

em que não digo mais nada

pois quando me calo, falo.

Antigone's homecoming



Run to me now, dark river, run

inwards, backwards, blind

as the black, the one-eyed sun

parching all petals of the mind.

Mad sunflower point your gun

downwards, earth is calling her kind.

-

Full of eyelids, such a masque

will be the last one - go

folding all wings for the task.

Time's come for sinking slow

as fingers hover, yet do not ask

to what bottom nor how low.

-

By Bruno Tolentino, in O mundo como ideia.

sábado, 14 de março de 2009


Cordel dos Excomungados



I

Peço à musa do improviso

Que me dê inspiração,

Ciência e sabedoria,

Inteligência e razão,

Peço que Deus que me proteja

Para falar de uma igreja

Que comete aberração.


II

Pelas fogueiras que arderam

No tempo da Inquisição,

Pelas mulheres queimadas

Sem apelo ou compaixão,

Pensava que o Vaticano

Tinha mudado de plano,

Abolido a excomunhão.


III

Mas o bispo Dom José,

Um homem conservador,

Tratou com impiedade

A vítima de um estuprador,

Massacrada e abusada,

Sofrida e violentada,

Sem futuro e sem amor.


IV

Depois que houve o estupro,

A menina engravidou.

Ela só tem nove anos,

A Justiça autorizou

Que a criança abortasse

Antes que a vida brotasse

Um fruto do desamor.


V

O aborto, já previsto

Na nossa legislação,

Teve o apoio declarado

Do ministro Temporão,

Que é médico bom e zeloso,

E mostrou ser corajoso

Ao enfrentar a questão.


VI

Além de excomungar

O ministro Temporão,

Dom José excomungou

Da menina, sem razão,

A mãe, a vó e a tia

E se brincar puniria

Até a quarta geração.


VII

É esquisito que a igreja,

Que tanto prega o perdão,

Resolva excomungar médicos

Que cumpriram sua missão

E num beco sem saída

Livraram uma pobre vida

Do fel da desilusão.


VIII

Mas o mundo está virado

E cheio de desatinos:

Missa virou presepada,

Tem dança até do pepino,

Padre que usa bermuda,

Deixando mulher buchuda

E bolindo com os meninos.


IX

Milhões morrendo de Aids:

É grande a devastação,

Mas a igreja acha bom

Furunfar sem proteção

E o padre prega na missa

Que camisinha na lingüiça

É uma coisa do Cão.


X

E esta quem me contou

Foi Lima do Camarão:

Dom José excomungou

A equipe de plantão,

A família da menina

E o ministro Temporão,

Mas para o estuprador,

Que por certo perdoou,

O arcebispo reservou

A vaga de sacristão.


Autor: Miguezim de Princesa - Poeta popular,

paraibano radicado em Brasília.



Faço minhas suas palavras...

Deixando Sade dizer... II

Considerando.
Sade foi talvez o maior crítico da moral, o mais imoral de todos os homens, uma alma em que o prazer e a satisfação falavam mais forte que qualquer outro sentimento. Mas mesmo em meio a toda animalidade que permeia seus pensamentos e desejos, há um instante de lucidez e de senso, ambos atributos que a natureza nos legou. Suas palavras nos mostram que há uma idade da razão e do prazer. Porque é preciso conservar a criança em seu período de formação. Enquanto ela não atingir a capacidade de pensar e desejar por si mesma, de poder viver sua própria vida, deve ser mantida sob cuidados. Para além de ser desumano ou imoral - a pedofilia é inatural, antinatural. E para alguém que ama a natureza e a vida acima de tudo, como Sade, tal comportamento precisa ser condenado. Mas condenado até que ponto, se nada em Sade pode ser de fato condenável? A força da sociedade, sua legislação própria, seu senso de direitos e deveres - é ela que deve apresentar dentre seus costumes e leis as práticas que melhor couberem a seus cidadãos e a sua sobrevivência. Mas antes de ser um costume ou uma lei, o abuso da infância de alguém extrapola os próprios limites do âmbito social, para configurar-se em uma lei humana, naturalmente própria dos homens dotados de razão.

Deixando Sade dizer...


Quando disse que queria me ater em alguns tópicos sobre a pedofilia, o disse porque queria pensar de que maneira este ato pode causar tanta repulsa e indignação, e do qual, único em matéria de sexo, sou de mesma opinião que o senso comum. O que há de tão perverso e animalesco neste prazer? Pensar mesmo que alguém pode por ela sentir prazer...

À mente, não tarda vir um termo dos mais comuns para adjetivar um sujeito que pratica tal infâmia: sádico. E de onde vem o termo sadismo, senão do maior representante filosófico-literário da liberdade sexual? Sade foi não somente um escritor, mas uma vida profundamente marcada pela devassidão, pela libertinagem. E se o seu nome cunha termos tão macabros e difamadores, cabe-nos ouvi-lo dizer, para que tiremos cada um as próprias conclusões.


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É absurdo dizer que, mal uma moça sai do seio da mãe, deve se tomar vítima da vontade dos pais e assim permanecer até o último suspiro. Não é num século em que a extensão dos direitos do homem é cuidadosamente ampliada que as moças devem continuar na escravidão da família, pois o poder da família é uma quimera. Ouçamos a voz da natureza sobre coisa tão interessante; que os animais (que dela muito mais se aproximam) nos sirvam de exemplo. Neles, os deveres paternos não vão além das primeiras necessidades físicas. Assim que podem andar e comer sozinhos gozam de toda a liberdade, de todos os direitos e não mais reconhecem os autores dos seus dias nem o débito para quem os pôs no mundo. Por que então, a raça humana deve permanecer acorrentada a outros deveres, fundados tão somente na avareza e ambição dos pais? Por que uma moça que começa a refletir e a sentir tem que ser dominada pelo freio paterno?
Não foi apenas um preconceito imbecil que criou tais cadeias? Haverá coisa mais ridícula do que uma menina de quinze ou dezesseis anos, consumida por desejo que é obrigada a conter, esperando em tormentos inúteis, piores que os do inferno, que seus pais consintam, depois de lhe ter estragado a mocidade, em associá-la a um marido que não é do seu gosto, que ela não pode amar pois nada tem de amável, que tudo tem para ser odiado e para importunar e desmanchar todos os prazeres da sua idade madura? Não, tais laços não podem durar, é necessário libertar a moça da casa paterna desde a idade da razão. A educação devia ser dada pelo governo e aos quinze anos todas as mulheres deviam ser senhoras do seu nariz e do seu destino, livres para cair até mesmo no vício.


By Marquês de Sade, in Filosofia da Alcova
Ilustracion in Justine, 1800


quarta-feira, 11 de março de 2009

O desespero humano


Gosto desse espaço, porque tenho aqui a oportunidade de refletir verbalmente sobre o que me acontece ou o que vejo acontecer, e que de um modo similar é um acontecimento em mim mesmo. Sentir a dor do outro - alguns poderiam entender o que digo, pelo grau de sensibilidade que também possuem. Digo isso porque, ainda que tente entender, é para mim inexplicável o fato de alguém molestar sexual e mentalmente uma criança. E sobre isso quero pensar mais detidamente, em alguns tópicos.

Ah, o mar! Como não se sentir renovado frente a ele, em dias que parecem não passar, em noites que parecem não chegar! Mas cá estou de volta, como as ondas que vem e vão, tentando encontrar novamente minha voz perdida, esquecida, aqui dentro de mim mesmo.