Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Gritos ecoando... III - O absurdo


Esteve durante todo o dia ali, absorto, introspectivo, mergulhado na mais completa desesperança que sua alma parecia alimentar desde que vira a chuva cair novamente sobre o telhado de sua casa, tão sem propósito, tão sem razão de ser como o eram seus dias de folga, cuja ausência de ocupação lhe permitia esses voos mais altos, até as nuvens, até o nada, em que a falta do que fazer se assimilava à falta de vontade de fazer alguma coisa, e então tudo lhe parecia como aquela chuva no telhado de sua casa, tão efêmero, tão passageiro, tão sem sentido, e nada absolutamente lhe interessava mais que o não fazer nada. Perder-se pela visão da chuva rasa, fina e constante, naquele último dia do ano, ano de grandes realizações e de algumas, não poucas frustrações, mas tinha sido, em grande parte um ano bom, sem levar em conta os cansativos dias de trabalho que se repetiam sem cessar, e o amor que já não mais possuía, novamente desejado, sem esperanças porém, porque ainda aquela dor que em seu peito era sentida lhe fazia esquecer-se de amar fosse mesmo a si, a sua alma, a sua existência, e esse desprezo por si mesmo, essa angústia por não ter oferecido uma atenção especial para seus próprios dilemas e opiniões era o que lhe pesava agora, sobre os ombros e os olhos, e lhe forçava a procurar algo que novamente lhe pudesse inspirar aquela esperança de outrora, já não mais sentida, já não mais negada – perder-se pela visão da chuva que caía sobre a terra era em seu coração o mesmo que perder-se dentro de si, a ver o mundo inteiro pelos olhos da nulidade completa de todas as coisas. E sentiu-se triste.
Por que não procurar algo para fazer? Não podia. Não queria trair a si mesmo de novo, como fizera durante anos. Queria ao menos dessa vez ser fiel ao que sentia, ao seu coração, àquilo que sua alma alimentava há tempos e que ele nunca ouvira, nunca havia estado assim, posto a escutar sua voz, mas agora ouvia, estavam nítidos os sons do infinito, água que se chocava contra água produzindo aquele som gostoso, prazeroso, e o céu repleto de nuvens, cinzentas como sua mente, o beijo trovejante das nuvens carregadas de águas, e que lhe aturdiam a mente, lhe provocavam o pensamento – por que vivemos, para quê? Que sentido pode haver em existirmos, nós e as águas, as nuvens, as matas? Que razão de ser há para que estejamos aqui, para que agora eu esteja aqui, vendo-as, ouvindo o som que ressoa de seu mais íntimo e que me revela a nulidade, o nada que se esconde por trás de tudo isso: aquele ser que não é, que parece ser e não é, que me diz que sou, mas não sou, agora aqui nada sou, nada faço, nada falo, ser nulo e pleno de ausência, um vazio imenso que me toma a alma, este sopro de vida que como o ar nada mostra, nada deixa perdurar, mas movimenta minha mente, minha ausência interior para o nada que há no mundo, e então me encontro frente ao impulso de gritar, de soltar a voz e o vento que ressoa de dentro, um grito para expressar o nada de mim para o mundo, e me conectar a esta ausência eterna universal.
Talvez isso tudo me leve a concluir que não poderia viver sem trabalho, sem uma ocupação, sem aquilo que nos afugenta desta voz interior universal, e que nos faz esquecer, deixar de ouvir a nós mesmos, a voz do nada do mundo, o nada de nossa alma. Talvez este vazio não seja suportável. O mundo e a vida ao nosso redor se movem sem se preocuparem com esse vazio. O mundo e a vida a nossa volta estão imersos no esquecimento do nada, na ausência do ser, de seu ser. A chuva cai sem pensar em por que cair continuamente sobre a terra, sobre o meu telhado, e nem a água se faz perguntar por que ser antes chuva que mar, pois talvez ela não tenha essa opção – mas e nós? Por que estamos fadados a contemplar esse espetáculo inapreensível de nulidades infindas? Por que somos esse ser que sempre se pergunta pelo ser das coisas, e só encontra nada? O que é afinal esse nada universal? Não sou capaz de ver com clareza, não posso saber com certeza. Mas entrevejo ali algum proveito, talvez haja alguma esperança – uma esperança que se põe a esperar pelo nada...

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Gritos ecoando... II


O desespero humano é assinalado por muitos artistas e pensadores como uma tendência inevitável do homem moderno, fruto direto da famosa "morte de Deus", provocada pela herança iluminista de uma Europa em plena efervescência econômico-cultural. O niilismo que atingiu as proporções mais espetaculares em nossa era, certamente em decorrência do caráter universal e globalizante da atividade cultural sob a égide do capitalismo, parece ter tomado a mente e o coração dos pobres humanos que caminham em direção não se sabe bem para onde, obrigando a religião e a arte, então consideradas fugas da crueza da verdade do real, os instrumentos por excelência da tentativa humana de transcender o sensível, a um apartheid da vida intelectual do homem comprometido com a "realidade" do mundo e com sua necessária miséria frente a ele. Mas o mesmo apóstolo deste niilismo em escala global foi o mesmo que se empenhou em mostrar que a arte podia sim, em sua intenção mais profunda, revelar a crueza da verdade do real, pois somente ela era capaz de afirmar a vida em toda a sua potencialidade, em toda a sua gratuidade. A arte era, para Nietzsche, a força soberana de afirmação da vida pela vida. A salvação da atividade artística encontrou na vida seu porto seguro, seu último reduto niilista. À religião, contudo, não coube tal sorte. Dificilmente um código religioso com tal ênfase (e existiram alguns) conseguiu tanta eficácia quanto sua companheira relegada. A questão talvez se justifique pelo simples fato de que uma religião sem deuses não poderia ser de fato uma religião. E em tempos de morte dos deuses transcendentes, as religiões como as conhecemos perderam seu sentido de salvação para o pensamento inquieto. Isso não impede, é claro, que existam outros tipos (grotescos, por sinal) de "religiões", cada qual com seus "deuses" específicos (veja, por exemplo, o interessante ato de fé dos "irmãos" no congresso, após receberem dinheiro suficiente para louvar a deus por mais alguns anos...)

A questão a ser posta aqui, entretanto, diz respeito a saber se de fato esta condição niilista a que o homem moderno se condenou pelo exercício de sua racionalidade não é antes propriamente humana, demasiadamente humana, inerente a nossa natureza e condição existencial. Pois se o absurdo da existência se revela pelo desnível que há entre a busca do homem pela unidade racional do mundo e a completa irracionalidade que ele encontra por trás de suas manifestações, onde a atitude transcendente, o salto, a escapatória desta angústia se dá sempre pela supressão de um dos lados em detrimento do outro, então a história do pensamento humano é a descrição sucessiva destas tentativas de escapar do absurdo, do niilismo a que fomos jogados por nós mesmos. Mas poderíamos de fato escapar desta encruzilhada permanente? O absurdo do salto transcendente em busca de uma solução para esta angústia retorna sempre e novamente, nos levando a indagar, juntamente com Camus – É possível ao homem conviver com o absurdo? Mas uma vez, qualquer tentativa de responder a este paradoxo seria um absurdo...
Pintura - O desespero, by Edvard Munch

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Gigante encoberto


Se o Brasil é um gigante adormecido, Mario Ferreira dos Santos é fundamentalmente um típico tupiniquim... Merece ser re-descoberto...

Gritos ecoando... I



O desespero que toma de assalto a alma do homem moderno é o sentimento que decorre daquela constatação fatal do resultado de sua ambição pelo conhecimento - ao final de seu percurso em busca da verdade o homem nada encontra de verdadeiro, e se angustia, se desespera, mergulhando no mais profundo niilismo, e ali nem Deus poderá salvá-lo: ele se afundou em sua mais completa impossibilidade de saber, e vilipendiado pela ânsia que sente de encontrar a verdade, destruiu todas as possibilidades de possuir um sentido para a sua vida. O homem desesperado impôs-se a angústia de ter assassinado Deus. A "morte de Deus" é o início da queda do homem. Podemos viver neste desespero constante?
A resposta é a solução para o enigma - mas quem a conhecerá? Melhor - quem a suportará?
Pintura - O grito, by Edvard Munch

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os santos também pecam...



Quem algum dia, em seus mais juvenis desejos, não se imaginou nesta situação - ser uma americano (principalmente jovens brasileiros...), bilionário, desportista, morando em um palácio, com uma bela mulher, filhos, fama, posses, tranquilidade... Que mais desejaria um homem neste mundo? Eu respondo - o fruto proibido. Está na nossa natureza, diriam os judeus e cristãos, desejar aquilo que não nos foi dado. Mas o que mais poderia desejar um homem que já possui tudo isso? Novamente, a língua não para quieta - Mulheres! Ah, esse maior dos pecados de um homem! É verdade que muitos conseguiram se ver livres de alguma forma deste mal, seja matando a si mesmo, seja esganando a(s) mulher(es) que tanto o enfraquece. Mas para aqueles que aceitam a vida e a si mesmos como sendo o que são, aqueles que afirmam sua própria natureza não podem fugir de todas as fêmeas do mundo - é preciso enfrentá-las, e embora consigamos vencer algumas vezes, sempre haverá uma que nos golpeia mortalmente. E parece que a lua para Tiger Woods está cheia - o que não faltam são mulheres a lhe preencherem os desejos mais devassos, talvez aqueles que a sua mulher, mesmo linda, não poderia satisfazer. Porque está na nossa natureza, não se pode negar - e o poder é um péssimo amigo para as almas que tentam vencer os desejos desenfreados. Por isso, é verdade, até os santos pecam, o que nos mostra, no fundo, que é impossível ao homem a plena santidade. Mesmo que aquela vida que sempre nos foi oferecida como a mais perfeita que um homem pode ter - não é possível, a carne, aquela bendita reunião de músculos e nervos, nos puxa sempre para baixo. Graças a Deus por isso!

Metáfora da visão III



Em terra de cego, quem tem olho é rei!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Alguma poesia - Drummond



Algumas poesias que falam por mim, como se minha alma as tivesse ela mesma escrito estes versos enquanto eu os lia, neste seu primeiro livro de poesias.


Toada do amor

E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta pra brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.

***

Nota social

O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele fez isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue,
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.

O poeta está melancólico.

***

Poesia


Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.


***


O Sobrevivente


Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura.

Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)


***


Explicação


Meu verso é minha consolação.

Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.

Para beber, um copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,

Folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito,

Queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos

É que faço meu verso. E meu verso me agrada.

Meu verso me agrada sempre...

Ele às vezes tem um ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota,

Mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.

Eu bem me entendo.

Não sou alegre, sou até muito triste.

A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.

Há dias em que ando na rua de olhos baixos

Para que ninguém desconfie, ninguém perceba

Que passei a noite inteira chorando.

Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,

De repente ouço a voz de uma viola...

Saio desanimado.Ah, ser filho de fazendeiro!

À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego vagabundo,

É sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.

Aquela casa de nove andares comerciais

É muito interessante.

A casa colonial da fazenda também era...

No elevador penso na roça,

Na roça penso no elevador.

Quem me fez assim foi minha gente e minha terra

E eu gosto bem de ter nascido com esta tara.

Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.

A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro

E tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.

O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.

Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,

Lê o seu jornal, mete a língua no governo, Queixa-se da vida (a vida está tão cara)

E no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.

Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?


Mil vistações, quem diria...

É muito gratificante saber que há sempre essa possibilidade de ser ouvido pelo outro, ainda mais neste espaço que é a internet, onde a pessoa à frente não está propriamente à frente, em um diálogo direto, mas em muitos milhares de outros mundos possíveis onde houver um pc e uma rede. Agradeço a todos pelas visitas, pelos comentários, pelo carinho e a participação neste projeto solitário de pensar o mundo e a si mesmo - que se percebe não tão solitário quanto parece...
Cesar de Alencar

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Para dispersar das preocupações...



Tudo bem - devo confessar que meu excesso de preocupação com questões políticas, se não em larga escala, ao menos aqui em terras tupiniquins, não são de modo algum uma preocupação salutar.
"Para quê? - me perguntaria algum carioca à beira-mar, sob um sol causticante de quase 45°, a admirar as belas fêmeas em Ipanema e aquelas curvas traseiras de tirar o fôlego de qualquer tentativa de pensamento - para que pensar nessas coisas? Esses políticos são tudo uma cambada de filhos da puta, não tem respeito nem por si mesmos, que dirá pelo dinheiro do povo. A gente tem é que votar nulo e aproveitar o resto do domingo na praia, porque o calor, meu amigo..."
Talvez eu ainda tentasse alguma réplica, o que de fato não seria muito difícil de fazer - mas como, ou para que afinal, se as eleições são só no ano que vem, se ainda teremos natal, ano novo, carnaval, páscoa, dia dos namorados, dias das mães, dia dos amigos, dia disso, dia daquilo... Para quê? A tal pergunta inconveniente não me deixa sossegar. Mas enfim minha alma pode sossegar tranquila; enfim não precisarei mais me ater em picuinhas tão inúteis como aquelas relativas a nossa política; enfim, os nossos políticos nos mostraram mais uma vez que quanto menos pensarmos em política, melhor - Para quem?
Eis mais uma dessas perguntas inconvenientes...