Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Gritos ecoando... II


O desespero humano é assinalado por muitos artistas e pensadores como uma tendência inevitável do homem moderno, fruto direto da famosa "morte de Deus", provocada pela herança iluminista de uma Europa em plena efervescência econômico-cultural. O niilismo que atingiu as proporções mais espetaculares em nossa era, certamente em decorrência do caráter universal e globalizante da atividade cultural sob a égide do capitalismo, parece ter tomado a mente e o coração dos pobres humanos que caminham em direção não se sabe bem para onde, obrigando a religião e a arte, então consideradas fugas da crueza da verdade do real, os instrumentos por excelência da tentativa humana de transcender o sensível, a um apartheid da vida intelectual do homem comprometido com a "realidade" do mundo e com sua necessária miséria frente a ele. Mas o mesmo apóstolo deste niilismo em escala global foi o mesmo que se empenhou em mostrar que a arte podia sim, em sua intenção mais profunda, revelar a crueza da verdade do real, pois somente ela era capaz de afirmar a vida em toda a sua potencialidade, em toda a sua gratuidade. A arte era, para Nietzsche, a força soberana de afirmação da vida pela vida. A salvação da atividade artística encontrou na vida seu porto seguro, seu último reduto niilista. À religião, contudo, não coube tal sorte. Dificilmente um código religioso com tal ênfase (e existiram alguns) conseguiu tanta eficácia quanto sua companheira relegada. A questão talvez se justifique pelo simples fato de que uma religião sem deuses não poderia ser de fato uma religião. E em tempos de morte dos deuses transcendentes, as religiões como as conhecemos perderam seu sentido de salvação para o pensamento inquieto. Isso não impede, é claro, que existam outros tipos (grotescos, por sinal) de "religiões", cada qual com seus "deuses" específicos (veja, por exemplo, o interessante ato de fé dos "irmãos" no congresso, após receberem dinheiro suficiente para louvar a deus por mais alguns anos...)

A questão a ser posta aqui, entretanto, diz respeito a saber se de fato esta condição niilista a que o homem moderno se condenou pelo exercício de sua racionalidade não é antes propriamente humana, demasiadamente humana, inerente a nossa natureza e condição existencial. Pois se o absurdo da existência se revela pelo desnível que há entre a busca do homem pela unidade racional do mundo e a completa irracionalidade que ele encontra por trás de suas manifestações, onde a atitude transcendente, o salto, a escapatória desta angústia se dá sempre pela supressão de um dos lados em detrimento do outro, então a história do pensamento humano é a descrição sucessiva destas tentativas de escapar do absurdo, do niilismo a que fomos jogados por nós mesmos. Mas poderíamos de fato escapar desta encruzilhada permanente? O absurdo do salto transcendente em busca de uma solução para esta angústia retorna sempre e novamente, nos levando a indagar, juntamente com Camus – É possível ao homem conviver com o absurdo? Mas uma vez, qualquer tentativa de responder a este paradoxo seria um absurdo...
Pintura - O desespero, by Edvard Munch

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