Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Edison Curie de Nequete - A morte, a vida.


Foi uma perda que não causou grandes alardes... Afinal, esse é o destino de quem jaz esquecido pela sociedade. Mas embora o pouco tempo que me sobra, neste final de ano apressado, só me tenha permitido escrever sobre este mestre da palavra agora, sete dias após sua morte, a lembrança de sua amizade e de sua brilhante e não pouco controversa personalidade se faz presente, ainda que não queira, em cada poesia que escrevo. Edison Nequete foi um velho conhecido, e a história de nossos encontros e reencontros esteve como que entremeada de grandes confusões. O velho ranzinza que perturbava nossas brincadeiras na infância tornou-se um mestre oportuno para este jovem artista, que percorria as primeiras vielas da poesia e da prosa. Os gritos que defenestrava contra nós quando crianças e o terror que nos fazia sentir de sua pessoa haviam se transformado em admiração pelo grande saber artístico que ele aos poucos compartilhava comigo. E não o fazia à toa - a admiração recíproca que ele havia expressado ao ver aquele menino irritante tornar-se um artista era o motor da sua certeza em não estar jogando conversa fora. Ao contrário, conversar com ele, embora nunca podendo gastar tanto tempo quanto se desejava, era poder parar aquela rotineira roda da vida, e perceber que as coisas podem ainda nos surpreender. Como ao ouvir suas últimas palavras, em nossa última conversa - "o maior mistério para nós não é a possibilidade ou não da existência de Deus, mas de que modo a matéria veio a existir, e o que ela é afinal: isso sempre será o maior de todos os mistérios". De fato, ainda hoje aquele pensamento me acompanha, aquele thaumazeîn pelo insondável, aquela incerteza que nos faz pensar. E suas lições, embora tenham perdido a voz original do mestre, jamais serão perdidas.

In memorian (1926-2010)

Augusto Mathias

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Diálogos com a physis II


– O amor, ah meu jovem, o amor! Que mistério pode haver que seja mais insondável?
– A morte, talvez.
– A morte? Ah, meu jovem, a morte! Isso não tem mistério algum. Morre-se e pronto.
– Assim também com o amor: ama-se e pronto.
– Aí você se engana. Isso denuncia a sua pouca idade para entender o que é o amor...
– Diga-me o que pode ser senão desejar muito alguém?
– Acredita ser o amor apenas um desejo?
– E por que não?
– Então que diferença há entre amar e desejar?
– É que o amor é um desejo mais forte.
– Mais forte quanto?
– Mais forte em sua intensidade.
– O que quer dizer?
– Em sua duração e em sua entrega.
– Diga-me então: quando você diz que ama uma mulher, o que isso significa?
– Quer dizer que eu a desejo intensamente.
– A tal ponto de não mais desejar outra mulher?
– Ah, meu velho, isso talvez não seja possível. Mas sei que a desejarei mais que qualquer outra!
– E sabe a razão desse desejo ser tão forte?
– Acredito que por acaso a gente acaba amando uma e não outra.
– O acaso é realmente um mistério... Mas o amor é ainda mais misterioso. Ele reflete não só o acaso das circunstâncias e das relações que nos levam a amar alguém. Ele ilustra a própria tecitura do universo.
– O que quer dizer?
– Pois veja. Você ama diferentes coisas de diferentes formas: uma mulher, sua mãe, seu filho, sua carreira, sua vida, etc.
– Isso certamente foge ao exemplo que foi dado.
– E foge igualmente da definição que você tentou oferecer sobre o amor. Quando se ama uma mãe não se deseja outra mãe, ou outro emprego, ou outra vida. Ama-se, e isso se torna suficiente para o amante.
– Por que então, quando se ama uma mulher, ainda se deseja outras?
– Entende o mistério? O sentimento que se sente por uma mulher é diferente daquele sentido em outros casos, e mesmo por vezes diferente do próprio modo como uma mulher ama um homem. Mas o maior mistério está nisso: o que nos permite dizer que tudo isso é amor, embora deveras distintos? O que estaria abrigado por detrás desta expressão, deste conceito – amor?
– Talvez já tenhamos esboçado uma resposta.
– Não me recordo qual possa ser.
– Pois veja. Se eu digo que amo uma mulher, do mesmo modo que amo uma mãe ou um emprego, parece que quero dizê-lo em relação a todos os outros que não amo, mas que fundamentam esse amor. Quando amo minha mãe, desejo nela tudo o que poderia desejar em uma mãe para mim. O mesmo se dá com você. Significa dizer que o amor ilustra uma certa conjugação de toda uma gama de desejos relacionados entre si, e que por fim confluem em um único sentimento.
– Se você está certo, quando amo uma mulher é o mesmo que dizer que desejo em uma tudo aquilo que poderia desejar em muitas.
– Exatamente.
– A multiplicidade então se encontraria sob a égide da unidade relacional. Ou seja, um único sentimento se torna capaz de reunir e unir muitos sentimentos em relação; um desejo, muitos desejos; uma vontade, muitas vontades.
– Parece que descobrimos o mistério do amor.
– Talvez ainda não.
– O que faltaria?
– Saber por que razão continuamos desejando outras mulheres, e não outras mães e outras vidas.
– Bem, talvez seja parte da nossa fisiologia.
– Mas não seria impossível então, ao homem, amar?
– Talvez, mais do que todos, o amor de um homem por uma mulher configure algo de sobrenatural, metafísico, suprassensível.
– Ah, meu jovem. Chegamos ao ponto em que eu dizia que isso configura a própria tecitura do universo. O amor é o mistério do cosmos dentro de nós.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A novidade intelectual (sic)


Foi em Afrodite que Angela Bismarchi buscou inspiração para escrever seu primeiro livro - “A bíblia do sexo : Os meus 10 mandamentos escritos no monte de Vênus”, que será lançado no próximo mês. Mas bem que sua fonte de inspiração poderia ser outro ser mitológico. Narciso, deus da vaidade, é quem sempre lhe perseguiu a partir da fama que projetou Ângela nacionalmente. Conhecida pelas dezenas de plásticas que já fez, a ponto de perder a conta – “São mais de quarenta”, diz, imprecisa – Ângela agora quer mostrar que também tem conteúdo.

iG: Por que fazer um livro sobre sexo?
ANGELA BISMARCHI: Este livro está pronto há dois anos, tudo por causa do meu twitter. Já tinha a conta antes, mas estava meio parada. Resolvi voltar há dois meses, escrevendo coisas e dicas sobre sexo. É incrível como tem gente com dúvida sobre o assunto. A ideia é mostrar este meu outro lado, o de escritora e intelectual. Não sou apenas uma mulher bonita, de corpão. A maior transformação da minha vida foi perceber que posso também ser intelectual. [grifo meu, para atrair vossa atenção para essa...]
Fonte: IG

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Agora é Dilma


A queda de braços teve fim, finalmente. O horário eleitoral e os debates já estavam beirando a tortura, ao menos para quem, como eu, vê neles alguma possibilidade de conhecimento (senão acerca dos candidatos, pelo menos de como se faz uso hoje da retórica na política, para a criação propagandista de uma imagem que torne possível a venda de um produto partidário). E a já esperada surpresa de se ter como vitoriosa no pleito nacional pela primeira vez uma mulher demonstra apenas que espécie de poder se configurou em torno da personalidade do excelentíssimo senhor (ainda) presidente. A força meteórica que sua candidata alcançou em tão pouco tempo, e com o agrave de nunca ter participado de qualquer outra eleição, revela no final das contas que o barbudinho petista é a maior referência política da atualidade brasileira. Esses músculos da Dilma certamente foram gerados pelos anabolizantes populares do seu padrinho Lula.