Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Brasil, um país de...


Às vezes soa esquisito ou mesmo ingrato, confesso, ter de apontar tão-somente os defeitos da "pátria amada" que nos criou e nos deixa ainda viver. Confesso que tento aprimorar os bons olhos de minha alma para não ver a queda vertiginosa que a cultura brasileira vem sofrendo nos últimos anos, sem uma música ou uma literatura que prestem, sem qualquer indício de uma casta pensante lúcida e uma plêiade de artistas bem dotados quer do mais vasto trato com o popular, quer do mais elevado diálogo com a transcendência. Todo aquele que tem um mínimo conhecimento das sociedades humanas sabe que nenhuma cultura pode chegar a sobreviver sem tais indivíduos, e não seria de todo impróprio dizer que em um futuro próximo, a continuar o atual estado de coisas, a vida brasileira se tornará tão infrutífera como são os desertos. E a imagem talvez renda seus frutos: pois se nos desertos a fauna e flora precisam se adaptar a fim de poderem suportar os escassos recursos, também nós por aqui precisamos nos adaptar, se queremos preservar alguma sanidade. Em um lugar onde falta produtividade cultural, abundam as salivas animalescas dos famintos sem espírito.
A falta de vida cultural não é tão facilmente diagnosticada, sobretudo por quem desconheça o que seja uma vida cultural. No caso do Brasil, contudo, um estudante atento rapidamente vai perceber pelas aulas de história e de literatura que a cultura brasileira durante os anos 20 até os anos 60 e 70 foi um oceano de grandes mentes, de discussões políticas e artísticas que vieram a formar gerações, e que hoje não passam de um capítulo nos livros didáticos, sem que saibamos muito bem como aquilo poderia ter acontecido e como é que fazemos acontecer de novo. Muitos duvidariam da necessidade de uma tal efervescência cultural vir a se realizar em nossos dias. O deserto produz miragens. É por isso que enxergamos em Paulo Coelho ou em Veríssimo os maiores representantes das letras tupiniquins, sem nos esquecermos de Caetano e de Chico, elevados ao posto de grandes poetas por quem nunca parou para ler grande poesia. Na falta de água em meio à seca, qualquer líquido pode satisfazer a sede.
O reflexo dessas miragens luxuriantes, e demasiadamente compensadoras, se projeta no meio social quando tivermos que lidar com as situações do nosso dia a dia. Como ao ler pesquisas, por exemplo, sem que saibamos avaliar o que dizem realmente os dados, isso se eles não vierem falseados com algum interesse obscuro, como foram os últimos dados do IPEA. O desagrado com o resultado de pesquisas do IBGE tem feito o governo preterir verbas para a instituição, talvez para mostrar ao IBGE que é o modo à la IPEA que mais lhe interessa agora. Isso porque é preciso falsear os dados, superfaturar obras para a Copa e promover um rombo na Petrobrás muito maior que qualquer mensalão poderia cobrir. Deve-se mesmo esvaziar os cofres públicos e subjugar as forças policiais e a suprema corte, promovendo a mais generalizada corrupção que já se viu por aqui. Afinal, um povo com fome e sede não encontra forças para lutar e, em meio ao deserto do real em que estamos nos encerrando, o oásis que a terra brasileira produz vai parar nos bolsos da politicalha. 
Nada poderia retratar em alto e bom som a miséria desse país que dois fatos recentes bastante simbólicos. O primeiro deles veio devido aos dados falseados da pesquisa do IPEA, quando ativistas decidiram lutar contra a cultura e a opressão machistas por meio de uma campanha "Não mereço ser estuprada". Pois se a campanha tinha o enfoque de não culpar as mulheres pela violência dos homens, há aqui um problema: se as ativistas defendiam não merecer serem estupradas, deixava-se subentendido que as vítimas de estupro de algum modo mereceriam! Mas as incoerências não param aí. O segundo caso é ainda mais simbólico: o tal "professor" de filosofia que intitulou a Popozuda como "grande pensadora contemporânea" não mostrou a mínima compreensão de que o trecho escolhido do funk era ele mesmo uma prova da falta de pensamento, ainda que fosse pequeno. Alguém que não entenda que "tiro, porrada e bomba" nada tem de pensamento nem deveria se aproximar da filosofia... Mas o descaso e a inércia por aqui são tão grandes que não posso me arrepender de trazer de novo nossos defeitos ao invés das grandes coisas. Porque enquanto se assiste à TV e se espera ansioso pelo hexa da seleção, o que tem acontecido de realmente grandioso está a nos prejudicar. Ainda que não possamos enxergar o país do futuro nesse deserto brasileiro, a terra prometida tem sido uma miragem, porque dela somos privados, como os judeus no Egito, por nossa própria ignorância.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Reminiscência




A intuição tão clara,
embora de relance,
surgida hora rara
ao menos deu-me a chance;
com força veio ao peito
não a luz da aurora
mas o ar rarefeito
de ver uma senhora
ao seu lado uma criança,
corpos inanimados
me pediam esperança;
na voz, serena calma:
vereis admirados
que a vida segue a alma...

domingo, 6 de abril de 2014

Bruno Tolentino - E a ratoeirazinha


Cuidado! a dor inventada
acaba tão parecida
à cara nua da vida,
que um encontro de calçada
pode virar despedida...
Garoa vira enxurrada,
lagrimazinha esculpida,
finamente musicada,
pode transformar subida
em queda fora de alçada,
fora de qualquer medida
e todo controle: o nada
tem a energia encondida
da ratoeira calada
ali no canto... Ó fingida,
alma minha apaixonada,
muito cuidadinho a cada
nova sílaba sofrida...