Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Um olho na tv, o outro no vizinho


O velho sonho de alguns poucos poderosos em dominar o restante da humanidade parece hoje estar em vias de profunda realização. Isso porque não só as riquezas se aglomeram em mãos cada vez mais reduzidas, como também os meios de controle e disseminação cultural alcançaram níveis nunca dantes imaginados. A um César romano ou a um Gengis Khan sequer ocorreria pensar nas possibilidades que as câmeras, a mídia e a internet hoje disponibilizam para quem se aprouver desses meios - para o benefício de quem mesmo? Nesse contexto, a cultura e os mecanismos de aculturação se tornam decisivos para os intentos de domínio, ou de simples mudança de comportamento, que no fim das contas não deixa de ser uma forma de domínio.
Ainda ontem, o 'Fantástico' - que de fantástico mesmo só tem o nome - apresentou uma 'reportagem' sobre a maneira como as pessoas nas ruas se comportam frente a uma situação privada, em que a mulher tenta impedir que o marido bêbado assuma a direção do carro do casal. Em dois dias de encenação, apenas três pessoas resolveram intervir na situação, e as imagens e comentários sobre inúmeros acidentes de carro, que permearam a reportagem com o intuito nada mascarado de nos sensibilizar, faziam destas três pessoas agentes de transformação social dignos de uma condecoração de cidadãos exemplares.
Exatamente: não resta dúvidas de que a finalidade da 'reportagem' global fora modificar o comportamento das pessoas, a fim de que intervenham elas mesmas como agentes de transformação social. É imprescindível que, segundo aqueles que engendraram a referida 'mensagem educativa', nosso vizinho não tema em ter de intervir em assuntos privados, e que não lhe dizem respeito, tão-somente porque ele deve pensar a partir de agora que isso lhe diz respeito sim. Se a velha propaganda boca a boca é infalível para o mercado, por que não poderíamos também, cada um de nós, exercer as funções públicas contra o desleixo social? O caso que foi apresentado, com risco de morte, serve como um caso-limite para alguns outros casos 'menos mortais' de nosso cotidiano, e que não deixam de requerer a mesma aplicação cidadã.
Na era da vigilância desmedida, os civis são convidados regularmente a exercer em seu dia a dia o papel de vigilantes, acompanhado da antiga crença de que isso é feito para o bem comum. Mas jamais devemos nos esquecer que o 'bem comum' é um eufemismo, que serve para ocultar a parcela da sociedade que realmente ganha com isso. A difícil questão está em saber quem lucra com essa mudança de comportamento na vida social. A mim, não me parece arriscado dizer quem perde: a massa que, iludida pela tv, se vê promovida de seu anonimato a uns parcos quinze minutos de fama. A fama de se comportar politicamente correta, ou antes, como querem que nos comportemos.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Platão e Aristóteles, e a escrita da filosofia


Talvez a filosofia nos tenha mostrado, em sua origem, uma nada casual sobrevivência de textos, que nos trazem uma importante distinção de práticas filosóficas necessárias. Enquanto Platão, preocupado em deixar o mais bem caracterizado possível aquilo que tanto o impactou, nos restos de anos que viveu do V século ao lado de Sócrates, acreditando ser proveitoso e mesmo possível reproduzir em outros seu próprio espanto por aquele saber nascente, nada escreveu sobre si mesmo nem sobre seus pensamentos em forma doutrinal; de Aristóteles, por outro lado, e tendo sido mesmo um escritor reverenciado pela bela forma entre os que leram seus dramas, não nos restaram senão rascunhos e anotações de aula, em uma forma que se insere em algo entre o deselegante e o intragável. Mas para além do fato estilístico que parece ter sido deveras imprescindível a esses grandes filósofos, o destino nos reservou dois modos de preparação ou de produção do saber em um homem de estudos: um exotérico, destinado aos não iniciados, e cujo estilo, no melhor que pode haver da poesia, serve aos fins de despertá-los para o espanto que causa a busca pelo saber; e outro esotérico, aos iniciados na matéria, que serve ou como recordação do que foi trabalhado de modo oral ou como apontamentos para o que o será, mas nunca como algo a ser destinado a quem não tenha ainda sentido o impulso para a filosofia. E não parece que essa lição se perdeu ao longo do tempo?

Nietzsche e eu


Penso haver uma diferença de perspectiva entre o sr. Nietzsche e eu: enquanto vasculho o homem do passado, o discípulo de Zarathustra vislumbrava o do futuro. Será isso, contudo, realmente uma 'diferença'?