Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


A atividade mais necessária e mais desprezada hoje em dia: conseguir perceber o que é verdade e o que não é naquilo que as pessoas dizem, não tanto as do nosso cotidiano, mas sobretudo as ditas autoridades em qualquer assunto, políticos, médicos, propaganda. Um pouco mais de Foucault para o próximo ano!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Manifesto do homem - ou qualquer coisa que nos diz respeito




Se observamos o desenrolar da cultura humana, veremos que o homem, no que lhe cabe, encontra-se inexoravelmente vinculado ao lógos – à linguagem e à capacidade racional de construí-la – e é nele que sua essência se dá melhor a conhecer. Naturalmente, essa condição é falha, mas por ser o único modo que temos de nos tornarmos humanos, recusá-la é abdicar de nossa natureza, é recusar o que nos compete nesta vida: em suma, é deixar que nossa existência acabe por sucumbir ao mesmo papel que uma pedra ou uma vaca desempenham no mundo – o de servir ao bel-prazer de quem tem consciência para delas usufruírem. Dito de outro modo: aquele que despreza o caminho do aperfeiçoamento de si mesmo por meio da linguagem, servirá como pasto ou ovelha, mas nunca como pastor.
É fácil constatar esta verdade, sobretudo no modo como hoje lidamos com nossas opiniões. Qualquer um poderia rapidamente assentir que a ciência hoje é uma autoridade em muitos aspectos, por vezes determinantes para a maneira como levamos nossas vidas. Vemos a autoridade científica ditar aquilo que comemos ou devemos comer, onde e como devemos residir, o que fazer para mantermos a saúde do corpo e do espírito. Mas de onde procede tal autoridade? Não sem demora, inúmeros protestos seriam feitos se, por exemplo, certa casta religiosa, ou política, determinasse a necessidade de comer ou não um alimento qualquer. Mas poderíamos conceber um protesto desse tipo para uma orientação científica? Alguém se disporia a protestar contra a sugestão de que carne vermelha faz mal à saúde? Na verdade, tomamos as pesquisas veiculadas pelos meios de informação como uma verdade, como um fato que deve ser seguido sem o mínimo de receio ou dúvida, e isso porque o modo como são divulgadas nos sugerem exatamente esta sua condição de serem como que impassíveis de dúvidas. Mas como? Não nasceu a ciência moderna exatamente com a dúvida? De que maneira chegamos a aceitar como verdade indubitável aquilo que se dispôs, de certa forma, a sanar dúvidas de uma forma meramente provável? Há, sem dúvidas, alguma coisa errada.
Mas quem hoje se preocuparia em pensar sobre isso – quem hoje ainda se preocupa em pensar? A situação na qual vivemos é fruto direto da desmotivação que sentimos em pensar sobre nós mesmos, sobre o modo como devemos levar nossa vida e o que devemos fazer para melhor usufruirmos dela. Formamos, hoje mais que nunca, nossas opiniões como se as comprássemos de jornais e revistas, como se paga a uma prostituta pelo prazer sem esforço – numa bela imagem criada por Wagner para descrever a degradação do homem moderno. É mais cômodo procurarmos a opinião de outrem sobre aquilo que desejamos saber, que nos havermos com a dificuldade de pensarmos por nós mesmos. Nunca, em nenhuma outra época, a mídia teve tanta força quanto em nossos dias, oferecendo opiniões e informações como um cafetão oferece suas crias. Nunca, em nenhuma outra época, a leitura se degradou a ponto de embotar o pensamento com opiniões deveras unânimes e igualitárias, como as veiculadas pelos jornais e pelas revistas. A ciência tem sua autoridade nascida desse estado de coisas, e é um tanto engraçado perceber de que modo a filosofia é aventada em nossos dias, em todo lugar, como uma espécie de postura crítica frente ao domínio autoritário – de quem mesmo?
Mero engano. Não há nada de crítico na filosofia praticada e divulgada hoje, e por isso ela é praticada e divulgada sem complicações. O homem se rebaixou a não querer pensar: livros de auto-ajuda instruem e ensinam, sem complicações; professores transferem o conteúdo de suas disciplinas como blocos de conhecimento, de todo coerentes e condizentes com a realidade do mundo; os meios de comunicação agridem todo aquele que deseja pensar por si mesmo, já que sua intenção é formar de modo unânime a ‘opinião pública’. E não é essa ‘opinião pública’ formada exatamente pela falta de leitura do homem moderno – quer dizer, pela falta de uma leitura crítica e engajada na busca pelo próprio conhecimento? O que dizer da nossa linguagem, a cada dia mais empobrecida? Que português ousamos falar – mais ainda, escrever, que já não consegue entender as obras de Machado? Quem ainda se dispõem a gastar seu tempo em frente a um livro que não seja o último lançamento, que não veja na leitura um fardo, mas um caminho para se desenvolver? Que cristão pode se dizer um leitor da Bíblia? Que comunista poderia bater no peito e anunciar “eu li Marx”? Quem chegaria à conclusão de que sua vida é muito importante, e ao invés de deixar-se levar por ela, tomaria como guia a necessidade de vivê-la da melhor maneira, não seguindo a opinião alheia, mas a sua própria razão?
Mas um ano se encerra, outro se inicia. E nada haverá de diferente sob o sol, se não deixarmos nossa própria alma falar mais alto. Se não compreendermos a verdade que a filosofia nos veio anunciar: que aquele que não vive uma vida refletida não é digno de viver.