Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Alguma poesia - Drummond



Algumas poesias que falam por mim, como se minha alma as tivesse ela mesma escrito estes versos enquanto eu os lia, neste seu primeiro livro de poesias.


Toada do amor

E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta pra brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.

***

Nota social

O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele fez isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue,
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.

O poeta está melancólico.

***

Poesia


Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.


***


O Sobrevivente


Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura.

Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)


***


Explicação


Meu verso é minha consolação.

Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.

Para beber, um copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,

Folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito,

Queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos

É que faço meu verso. E meu verso me agrada.

Meu verso me agrada sempre...

Ele às vezes tem um ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota,

Mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.

Eu bem me entendo.

Não sou alegre, sou até muito triste.

A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.

Há dias em que ando na rua de olhos baixos

Para que ninguém desconfie, ninguém perceba

Que passei a noite inteira chorando.

Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,

De repente ouço a voz de uma viola...

Saio desanimado.Ah, ser filho de fazendeiro!

À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego vagabundo,

É sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.

E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.

Aquela casa de nove andares comerciais

É muito interessante.

A casa colonial da fazenda também era...

No elevador penso na roça,

Na roça penso no elevador.

Quem me fez assim foi minha gente e minha terra

E eu gosto bem de ter nascido com esta tara.

Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.

A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro

E tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.

O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.

Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,

Lê o seu jornal, mete a língua no governo, Queixa-se da vida (a vida está tão cara)

E no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.

Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?


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