Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Uma triste despedida


As letras portuguesas, que diz respeito aqui a todos os países que adotaram a língua de Portugal, tiveram uma triste notícia nesta sexta-feira, dia 19 - Morria aos 87 anos um dos maiores escritores de nossa língua, para mim o maior de nossos romancistas vivos, mas que nos deixou, infelizmente. José Saramago era inconfundivelmente um brilhante articulador de discursos, um hábil perito em criar enredos e recriar mundos imaginados. Seus livros são um atestado de que a palavra em português possui uma força própria, capaz de seduzir, envolver e provocar qualquer homem que esteja diante de um texto seu. O modo próprio que suas histórias foram forjadas sugerem certa dedicação lapidar e escultural, que torna a obra escrita uma instigante obra de arte. Uma obra que vale não apenas pela visitação, mas principalmente pela experiência arrebatadora de ser conduzido por esse mago das palavras ao mais alto prazer provocado pelo sentir poético. Sem dúvidas, Saramago foi mesmo esse mago português de tão belas e inesquecíveis palavras (portuguesas).

Talvez agora de algum modo eu possa retomar minha (desejosa) tentativa de trabalhar cada livro que compõe a obra deste mestre português quando, ao traçar as linhas gerais de seu útlimo livro (Caim, ver comentários nos arquivos), havia me dado a tarefa de pensar os outros livros mais detidamente. Quisera essa vida moderna tão corrida me desse o tempo necessário para tamanho prazer...

terça-feira, 1 de junho de 2010

O gozo do divino - Enigma


Se tivesse agora de me confessar a alguém sobre meus pecados e concupiscências, tenho certeza de que não seria nada muito diferente daquela primeira vez em que tive de comparecer perante o altar ao lado de um padre, para apresentar a Deus (a ele, na verdade) meus deslizes infanto-juvenis. Já naquela época o essencial de minha natureza se revelava: esta mistura que me é própria e que confluía os desejos lascivos de perversidade sexual e os impulsos constantes em busca do divino. A polaridade sexo-divindade ainda se mantém, embora não mais encarnando aquela arrogante pretensão cristã de macular o corpo em favor da alma. Meus desejos mais fortes se coadunam agora numa espécie de indissociável relação erótica, amorosa, divinal. O prazer suscitado pelo corpo, as sensações de gozo e de fascínio pela prática sexual estão como que imbricadas, sem nenhuma condenação, aos desejos pelo prazer em alcançar o divino. Poderia ser que essa relação revelasse uma tentativa desesperada de tornar santo o promíscuo, mas ao contrário – é antes o divino que se mostra tão mais celestial e intenso quanto for mais intenso e profundo o gozo alcançado pelo sexo. Em outras palavras, não há como negar que o prazer de tocar o próprio ser dos deuses é admiravelmente similar ao orgasmo incontrolável e avassalador. Aquela imagem de um panteão divino casto e celibatário não condiz com a própria noção da divindade e do que seja o divino

Neste ponto, e talvez Schopenhauer tivesse razão, a Vontade é o que subjaz todas as coisas, é o Ser do mundo e de nós mesmos. E em sendo deste modo, a música é a arte por excelência da possibilidade humana de tocar o divino, de vislumbrá-lo, ou ao menos entrevê-lo, visto que sua realização é a própria manifestação da Vontade essencial. O homem é incapaz de existir sem música, sem esse instrumento que lhe permite aos poucos chegar a ver a divindade em sua incessante pulsão erótica. E embora ao longo das eras a música adote certas características particulares, ela sempre será essa força humana de conexão com o divino. Principalmente a música instrumental, como Nietzsche ressaltava, que em sua essencialidade musical nos faz sucumbir à força da Vontade.

Enigma é um projeto musical alemão de "New Age" dance, que conflui toda a plasticidade envolvente dos instrumentos de diferentes tipos e origens com as batidas entorpecentes da música dance. Aqui não apenas a mente se vê arrebatada, também o corpo é arrastado do mesmo modo e ao mesmo tempo para o fluxo divino da erupção sexual. Não se é capaz de ouvir seus projetos e permanecer insensível ao desejo pelo sexo e ao sabor do manjar dos deuses. A Vontade aqui é plenamente essencial.

Vale a pena se deixar arrebatar...