Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O gozo do divino - Enigma


Se tivesse agora de me confessar a alguém sobre meus pecados e concupiscências, tenho certeza de que não seria nada muito diferente daquela primeira vez em que tive de comparecer perante o altar ao lado de um padre, para apresentar a Deus (a ele, na verdade) meus deslizes infanto-juvenis. Já naquela época o essencial de minha natureza se revelava: esta mistura que me é própria e que confluía os desejos lascivos de perversidade sexual e os impulsos constantes em busca do divino. A polaridade sexo-divindade ainda se mantém, embora não mais encarnando aquela arrogante pretensão cristã de macular o corpo em favor da alma. Meus desejos mais fortes se coadunam agora numa espécie de indissociável relação erótica, amorosa, divinal. O prazer suscitado pelo corpo, as sensações de gozo e de fascínio pela prática sexual estão como que imbricadas, sem nenhuma condenação, aos desejos pelo prazer em alcançar o divino. Poderia ser que essa relação revelasse uma tentativa desesperada de tornar santo o promíscuo, mas ao contrário – é antes o divino que se mostra tão mais celestial e intenso quanto for mais intenso e profundo o gozo alcançado pelo sexo. Em outras palavras, não há como negar que o prazer de tocar o próprio ser dos deuses é admiravelmente similar ao orgasmo incontrolável e avassalador. Aquela imagem de um panteão divino casto e celibatário não condiz com a própria noção da divindade e do que seja o divino

Neste ponto, e talvez Schopenhauer tivesse razão, a Vontade é o que subjaz todas as coisas, é o Ser do mundo e de nós mesmos. E em sendo deste modo, a música é a arte por excelência da possibilidade humana de tocar o divino, de vislumbrá-lo, ou ao menos entrevê-lo, visto que sua realização é a própria manifestação da Vontade essencial. O homem é incapaz de existir sem música, sem esse instrumento que lhe permite aos poucos chegar a ver a divindade em sua incessante pulsão erótica. E embora ao longo das eras a música adote certas características particulares, ela sempre será essa força humana de conexão com o divino. Principalmente a música instrumental, como Nietzsche ressaltava, que em sua essencialidade musical nos faz sucumbir à força da Vontade.

Enigma é um projeto musical alemão de "New Age" dance, que conflui toda a plasticidade envolvente dos instrumentos de diferentes tipos e origens com as batidas entorpecentes da música dance. Aqui não apenas a mente se vê arrebatada, também o corpo é arrastado do mesmo modo e ao mesmo tempo para o fluxo divino da erupção sexual. Não se é capaz de ouvir seus projetos e permanecer insensível ao desejo pelo sexo e ao sabor do manjar dos deuses. A Vontade aqui é plenamente essencial.

Vale a pena se deixar arrebatar...

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