Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Tolstói - A morte de Ivan Ilitch


Demorei a pincelar alguma coisa sobre o último grande livro que li. Talvez pela escassez de tempo em parar e escrever algo dessas coisas que não fazem parte de nossas ocupações diárias por obrigação mas por prazer. Talvez não: certamente foi pela enorme dificuldade de se falar sobre um pequeno grande livro como A morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi. Não por acaso considerada uma das mais perfeitas das novelas da literatura mundial, a cena de Ilitch é suave e tenebrosa, cotidiana e espetacular, com uma prosa que beira o pueril dos contos infantis, enquanto irrompe na mais vasta profundeza da alma humana e em suas terríveis contradições. De leitura fácil e instigante, o enredo parece deveras banal ao leitor desatento às questões que levam Ilitch da nobre desenvoltura ao abismo de existir. É mesmo um conflito sobre a existência o que Tolstoi parece querer marcar aqui, em páginas de uma gratidão sem igual com a vida ao mesmo tempo em que não abre mão de lhe mostrar a crueza e tragédia, quase que uma sua gratuidade, se não fosse a morte. Talvez seja a morte a personagem principal desta novela, pois que a morte é a sombra permanente de existir, e mesmo assim quase sempre se faz obscurecida pelo nosso dia a dia frenético em sobreviver - e com que finalidade? Poderíamos mesmo saber que vivemos sem encararmos no cotidiano a intensidade do que para nós significa a morte? Talvez essa seja a melhor explicação para o efeito estilístico da prosa suave e comumente simples de Tolstoi: mostrar a simplicidade de um cotidiano marcado pelos conflitos em viver, ao mesmo tempo em que faz caminhar seu protagonista até a uma consciência inalienável sobre a morte e a sua necessidade para uma vida digna de ser vivida. Porque uma vida não refletida, dizia Sócrates na voz de Platão, não merece ser vivida - e uma vida refletida é sempre uma preparação para a morte, uma filosofia em que antes de sermos filósofos somos humanos, demasiadamente humanos. A novela de Tolstoi é algo como um quadro banal sobre o fim trágico de nossa existência, pintado com tintas de uma terrível simplicidade, porque nenhuma finalidade deveria ser mais simples ao homem que a consciência do seu fim.

Um comentário:

Fernanda Campello disse...

Ei, César, gostei muito de ler seu texto.
Também li esse livro faz pouco tempo, e fiquei meio atordoada.
Gostei da relação que fez com a questão da morte em Platão e a necessidade de penáramos sobre a morte para ter uma boa vida.
Na minha leitura, também achei curioso o estilo de escrever do autor, que é ao mesmo tempo simples, mas as vezes é profundamente irônico.
Eu particularmente gosto das expressões que ele usa para falar do comportamento do ivan ilitch como aquela "comme il faut", dentre outras, achei genial.
Bom, parabéns pelo blog! Beijo!