A frase do tio Rangel em A Ladeira da Memória é uma profecia: "o romancista salvará o homem". De fato, a salvação aqui é pessoal, única, própria mesmo do poeta e do escritor, que não encontra melhor forma de sublimar seus temores e prazeres senão pela literatura. Deve-se escrever, porém, para oferecer em alguma medida salvação a outrem. E aqui não se trata daquela mesma do Cristo ou do Buda. A salvação de que se trata em literatura é, por assim dizer, um caminho prévio ao da religião. A literatura, ao ligar a pessoa, em suas vivências internas, à sua consciência, salva o homem do animal que permanece em nós; a religião, ao ligar o divino que há em nós a Deus, salva o homem de enclausurar-se em sua humanidade. A religião é causa final; a literatura, causa eficiente. São formas distintas de salvação, mas são complementares. É impossível acreditar que o animal sem consciência alcançará a essência divina que o habita e o levará ao encontro do Ser Supremo. É como se houvesse a necessidade de uma salvação prévia, que a literatura pode oferecer. Se escrevo não é senão para salvar-me a mim e aos leitores que, como eu, estiverem dispostos a mergulhar no fundo de si mesmos, para ver o que lá se esconde de mais aterrador e de mais belo.
Ou como mostrar a alma quando não se pode olhá-la no espelho, embora ela esteja ali, nos observando...
Por que estas pulsões ocêanicas?
Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?
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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
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