Foi uma perda que não causou grandes alardes... Afinal, esse é o destino de quem jaz esquecido pela sociedade. Mas embora o pouco tempo que me sobra, neste final de ano apressado, só me tenha permitido escrever sobre este mestre da palavra agora, sete dias após sua morte, a lembrança de sua amizade e de sua brilhante e não pouco controversa personalidade se faz presente, ainda que não queira, em cada poesia que escrevo. Edison Nequete foi um velho conhecido, e a história de nossos encontros e reencontros esteve como que entremeada de grandes confusões. O velho ranzinza que perturbava nossas brincadeiras na infância tornou-se um mestre oportuno para este jovem artista, que percorria as primeiras vielas da poesia e da prosa. Os gritos que defenestrava contra nós quando crianças e o terror que nos fazia sentir de sua pessoa haviam se transformado em admiração pelo grande saber artístico que ele aos poucos compartilhava comigo. E não o fazia à toa - a admiração recíproca que ele havia expressado ao ver aquele menino irritante tornar-se um artista era o motor da sua certeza em não estar jogando conversa fora. Ao contrário, conversar com ele, embora nunca podendo gastar tanto tempo quanto se desejava, era poder parar aquela rotineira roda da vida, e perceber que as coisas podem ainda nos surpreender. Como ao ouvir suas últimas palavras, em nossa última conversa - "o maior mistério para nós não é a possibilidade ou não da existência de Deus, mas de que modo a matéria veio a existir, e o que ela é afinal: isso sempre será o maior de todos os mistérios". De fato, ainda hoje aquele pensamento me acompanha, aquele thaumazeîn pelo insondável, aquela incerteza que nos faz pensar. E suas lições, embora tenham perdido a voz original do mestre, jamais serão perdidas.
In memorian (1926-2010)
Augusto Mathias
In memorian (1926-2010)
Augusto Mathias