A loucura fatal de nossa sociedade mais uma vez se estampou nos noticiários e diante dos olhos de todos. Um jovem possuído por problemas mentais e ideológicos assassinou aleatoriamente crianças em uma escola no bairro de Realengo, no Rio, deixando marcas incontornáveis. O próprio assassino havia sido vítima de inúmeras marcas da vida, do seu contexto familiar e social. As marcas de nossa cultura esquizofrênica, agonizante, em vias de ser aplaudida em um seu alvoroço descomunal pela insistente necessidade de ordem, de moral, de normalidade, quando tudo o que se exige não condiz com o que é ofertado. A lei do mercado rege a vida cotidiana: a procura encontra ampla oferta, embora o aviso seja sempre "não procure", "não consuma". Os mais frágeis não resistem. Sucumbem ao teor alcoólico da lógica capital. Viciam-se com a cultura florida e multifacetada dos tempos tecnológicos. E tornam-se antissociais, perigosos, revolucionários. Projetam sobre a mesma sociedade que os instiga um sentimento permanente de desregramento, de dissolução, de perversão. Consuma e não suma: seja. A fatalidade do destino de nosso tempo se estampa, mais uma vez. Produz o espanto, a perplexidade, o silêncio. A escola de Realengo voltará à normalidade, mas não a de antes. O silêncio fere. Talvez o poeta que lhe dá o nome possa nos dizer, ao fim, o que fica de todo esse estampar-se de uma tragédia.
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.
Tasso da Silveira, Publicado no livro Regresso à Origem (1960).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica. Org. Leodegário A. Azevedo Filho. Brasília: INL, 1972. v.4, p.74. (Literatura brasileira, 9C)
Fronteira
Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.
Tasso da Silveira, Publicado no livro Regresso à Origem (1960).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica. Org. Leodegário A. Azevedo Filho. Brasília: INL, 1972. v.4, p.74. (Literatura brasileira, 9C)
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