Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Tasso da Silveira - Uma escola, um poeta: uma tragédia


A loucura fatal de nossa sociedade mais uma vez se estampou nos noticiários e diante dos olhos de todos. Um jovem possuído por problemas mentais e ideológicos assassinou aleatoriamente crianças em uma escola no bairro de Realengo, no Rio, deixando marcas incontornáveis. O próprio assassino havia sido vítima de inúmeras marcas da vida, do seu contexto familiar e social. As marcas de nossa cultura esquizofrênica, agonizante, em vias de ser aplaudida em um seu alvoroço descomunal pela insistente necessidade de ordem, de moral, de normalidade, quando tudo o que se exige não condiz com o que é ofertado. A lei do mercado rege a vida cotidiana: a procura encontra ampla oferta, embora o aviso seja sempre "não procure", "não consuma". Os mais frágeis não resistem. Sucumbem ao teor alcoólico da lógica capital. Viciam-se com a cultura florida e multifacetada dos tempos tecnológicos. E tornam-se antissociais, perigosos, revolucionários. Projetam sobre a mesma sociedade que os instiga um sentimento permanente de desregramento, de dissolução, de perversão. Consuma e não suma: seja. A fatalidade do destino de nosso tempo se estampa, mais uma vez. Produz o espanto, a perplexidade, o silêncio. A escola de Realengo voltará à normalidade, mas não a de antes. O silêncio fere. Talvez o poeta que lhe dá o nome possa nos dizer, ao fim, o que fica de todo esse estampar-se de uma tragédia.


Fronteira


Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...

Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.


Tasso da Silveira, Publicado no livro Regresso à Origem (1960).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica. Org. Leodegário A. Azevedo Filho. Brasília: INL, 1972. v.4, p.74. (Literatura brasileira, 9C)

Nenhum comentário: