Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A constância da transitoriedade da vida


Panta hei, dizia Heráclito: tudo flui. Talvez ele mesmo não tivesse usado essas palavras, que seus admiradores e detratores se lhe referiam enquanto uma síntese do seu pensamento. Talvez não seja senão mais um daqueles casos em que se procura resumir a grandiosidade de um homem em poucas palavras, um resumo que quase nunca corresponde ao seu valor devido. A questão é que sendo a percepção de Heráclito sobre a transitoriedade das coisas desse mundo uma de suas grandes anunciações, é pouco honroso encerrá-lo como apóstolo do devir, ele que procurou mostrar que em meio à transitoriedade das coisas deve o homem ater-se ao mais importante: ao que seria a razão de ser de toda mudança e de todo fluxo, quer dizer, à 'razão'. Eis o ponto primordial da sabedoria de Heráclito: se tudo neste mundo é transitório e inconstante, atenha-se ao lógos, à razão de ser das coisas desse mundo, à razão de ser de nossa própria existência. Sua alma é capaz de lhe mostrar esse caminho, para evitar que nos percamos no vir a ser infindo, para nos fazer ver que é na razão que a vida humana pode chegar a se realizar com valor. Deixar seguir o curso dos rios, que nunca é o mesmo, e com isso nunca ser o mesmo é naufragar em meio à inconstância do mundo, é caminhar sonâmbulo como se pudesse ver e ouvir as coisas como são, mas com isso perder-se em fragmentos, em instantes, em afluentes. Só aquele que ausculta o lógos está em vigília: sua vida não se perde, mas se encontra no que há de mais profundo - a constância de si.

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