Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

sábado, 8 de março de 2014

Sobre o fazer-ler poético







Em um caderno que descansa sempre no canto da escrivaninha do quarto – era onde eu rabiscava os versos que me assaltavam a mente vez ou outra. E versos nos são como momentos em que a vida torna-se potencialmente interessante, pois estamos como que suspensos de todas as contingências, a mirá-la tão-somente em sua mais plena realidade. A poesia nos serve como recordação deste instante único, e apenas pela sua materialização escrita é que também sua forma ganha a mesma dimensão essencial de vida que em nosso espírito se faz operante. É pela forma que o vigor poético se mantém, perdura: uma forma que modela a massa disforme das matérias de nossas sensações. Forma vigorosa em almas como João Cabral, em que métrica e estrutura de obra se entrelaçam às vivências, aos conteúdos, e os eternizam. De fato, não há poesia sem forma. Em meu caderno – formas destoantes ganham fôlego, perduram em minha própria alma à medida que os vou re-lendo, e se intensificam, se modificam mais ao modificar-me pelo prazer de lê-los. Re-ler poesias é adentrar o mundo particular, único do poeta, que se abre ao mundo pelos versos exalados de sua percepção singular. Deve-se senti-la, e já não mais a leitura é suficiente – faz-se preciso ouvi-la, prová-la, tocá-la, aspirar o ar mais puro que apenas pela alma do poeta se gerou e que se faz aspirar. A poesia é perfume, é iguaria das mais caras e raras, é nobreza de espírito e de caráter. O som mais límpido que se depreende de nosso universo infinito particular. Pode haver um dia que alguém se interesse por minha poesia? Este mundo que se constrói à medida que o vou tecendo pelas linhas mestras de meus versos? Interessar-se por eles é certamente interessar-se por mim, mas quem há que se interesse por mim? Nesta solidão em que vivo – também meus versos se condenam ao esquecimento. O mundo perde o prazer pela poesia, e em certa medida porque a poesia parece deixar o mundo; ou somos nós que dela abdicamos? Alguém ainda seria capaz de olhar o horizonte ao cair da tarde, e vislumbrar uma espécie de solidão fria e soturna lhe preencher a alma, enquanto o sol se pondo lhe sugere este fim de mais um ciclo, de mais uma eternidade? Ou tocar a correnteza de um rio de águas límpidas e sentir pulsar em seu peito a sensação de um prazer inexplicável, que o som das águas provoca até mesmo a quem não as possa ouvir? Há alguém que ainda seja capaz de aspirar este ar mais puro e elevado, a cura de toda enfermidade, e ver descerem lágrimas de seus olhos por entender a imensa grandeza que há em existir?
Porque ao se defrontar com a poesia, a alma se comove pela sensação que o poeta vivenciou, e este duplamente: uma vez ao vivê-la, outra, ao descrevê-la. Este prazer último, que ao leitor é dado sentir, intenta provocar novamente o prazer originário, a sensação singular que a alma do poeta oferece ao recriá-la em verso, sua experiência para ser lida, cantada, sentida. A poesia é a repetição do sentir único apreendido pelo poeta, com a intenção de torná-lo possível novamente em sua experimentação. Ela parece conferir à consciência do leitor-ouvinte o prazer de navegar por mares que lhe são inconscientes, ou conscientemente debilitados, incapazes de se expressar em sua experimentação, pela falta de cor que os traduza em tons precisos. O poeta é o que possibilita ao homem que o escuta e lê e sente um contato íntimo com sua mais fundamental natureza. Escrevo por isso sem descanso, noite e dia. É um vício este que me consome. E por ele consumo meu tempo em palavras, que ao mesmo tempo me constroem, e que ao me construírem, me destroem, até re-criar o novo, de novo, para o mundo e para mim mesma.

Trecho do meu livro Falosofia de Mulher

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