Ou como mostrar a alma quando não se pode olhá-la no espelho, embora ela esteja ali, nos observando...
Por que estas pulsões ocêanicas?
Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?
***
A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
***
A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
sábado, 22 de novembro de 2008
Como uma onda
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
*
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
*
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
*
By Lulu Santos e Nelson Motta
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Alegoria da Caverna
Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no género dos tapumes que os homens dos "robertos" colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles.– Estou a ver – disse ele.– Visiona também ao longo deste muro, homens que transportam toda a espécie de objectos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados.– Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas – observou ele.– Semelhantes a nós – continuei -. Em primeiro lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projectadas pelo fogo na parede oposta da caverna?– Como não – respondeu ele –, se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida?– E os objectos transportados? Não se passa o mesmo com eles?– Sem dúvida.– Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não te parece que eles julgariam estar a nomear objectos reais, quando designavam o que viam?– É forçoso.– E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, senão que era a voz da sombra que passava?– Por Zeus, que sim!– De qualquer modo – afirmei – pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objectos.– É absolutamente forçoso – disse ele.– Considera pois – continuei – o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objectos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objectos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objectos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objectos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam?– Muito mais – afirmou.– Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objectos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam?– Seria assim – disse ele.– E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objectos?– Não poderia, de facto, pelo menos de repente.– Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objectos, reflectidas na água, e, por último, para os próprios objectos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia.– Pois não!– Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar.– Necessariamente.– Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo.– É evidente que depois chegaria a essas conclusões.– E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros?– Com certeza.– E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prémios para o que distinguisse com mais agudeza os objectos que passavam e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo "servir junto de um homem pobre, como servo da gleba", e antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo?– Suponho que seria assim – respondeu – que ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela maneira.– Imagina ainda o seguinte – prossegui eu -. Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao regressar subitamente da luz do Sol?– Com certeza.– E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se habituar não seria pouco – acaso não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior, estragara a vista, e que não valia a pena tentar a ascensão ? E a quem tentasse soltá-los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam ?– Matariam, sem dúvida – confirmou ele.– Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui eu – deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública.
Platão, A República, Livro VII - 5ª edição, 2007. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
domingo, 16 de novembro de 2008
Aforismos II
Somos um universo imerso em nós mesmos -
E como desejei esta liberdade!
***
Queria ser melhor do que sou,
E descobri que nada é melhor do que ser...
***
Os que pensam, agem com cautela
Os que agem, jamais se deixam abater
Os que se abatem, são vencidos pelo medo.
E como desejei esta liberdade!
***
Queria ser melhor do que sou,
E descobri que nada é melhor do que ser...
***
Os que pensam, agem com cautela
Os que agem, jamais se deixam abater
Os que se abatem, são vencidos pelo medo.
Monumentos humanos - demasiado humanos
by Da Vinci
Fico pensando na riqueza que foi o período renascentista na história humana. Sua riqueza cultural, espiritual, as obras e o vigor humano que fizeram o mundo em que hoje vivemos, moldaram nossas influências, anunciaram um novo mundo - Mas que novo mundo eles traziam senão a grandeza dos gregos? Que haveria de novo a ser erguido depois dos monumentos construídos pelo espírito humano da Antiguidade? A Grécia - devemos a ela e aos antigos nossa condenação, porque é nela que encontramos nossa redenção! Mas perdoem-me se pareço demasiado grego, se minhas palavras soam tão helênicas! - é que sou demasiadamente humano...
sábado, 15 de novembro de 2008
A música do silêncio
O que é o silêncio? Talvez seja a ausência completa de som – mas não seria ele mesmo um som, uma força sonora, um impulso toante? Porque sendo pura ausência de sons, o silêncio nos leva a um mergulho no nada auditivo, no vazio auscultado, na imensidão de uma sonoridade inexistente, como quando ouvimos uma canção e nos apercebemos de seu fim quando aquela harmonia entre palavras e notas se desfaz para sempre em um vazio profundo. Insisto, contudo – não poderia mesmo este desfazer-se da sonoridade das notas e da voz uma força própria de toda canção? Não haveria no silêncio uma sensação de prazer sonoro que pervade as mais fortes e os mais destoantes graus de notas musicais?
Eis que a música melhor demonstra o que as palavras não conseguem pronunciar – e a música de Beethoven nos eleva ao cume da sonoridade e da grandeza musical pelo prazer sonoro composto em sintonia sinfônica com o silêncio, em harmonia com essa força nula e toante, porque real, existente, viva! Sua nona sinfonia é gerada pelo silêncio. No silêncio de sua audição, sua mente alcança as mais brilhantes notas e sons que a música humana pôde algum dia alcançar – o músico faz mesmo surgir pela força sonora do silêncio, faz mesmo vibrar de sua existência e de seu ser a mais divina harmonia, a mais genial das sinfonias – a mais humana das criações! Ouvir esta que é a maior de todas as canções e de todos os sons compostos é ser capaz de auscultar o silêncio por trás da música, e apreender o que há de mais real e vivo na força silenciosa do mundo – E aquele que não se pôs ainda diante de tão divino som não pode dizer que é capaz de escutar: porque é preciso ouvir o silêncio se quiser algum dia auscultar a música que compõe o homem e o universo.
http://www.4shared.com/file/67416318/c42e862c/Beethoven_Op125_Furtwangler1951.html
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Vale a pena
sábado, 8 de novembro de 2008
Para menores de dezoito anos - Proibido?
Aquele rapazote chegou à minha sala com o rosto bastante interessado. Parecia surpreso, mas seu olhar cabisbaixo escondia algo. Era Tímido. Reservado. Era uma doce alma. Uma alma ainda calada. Alma sem versos próprios, porque ainda desconhecido da paixão. Era essa alma doce dos rapazotes que eu adorava. Para tê-la em minhas mãos, para lhes ensinar versos calorosos. Para fruir de sua docilidade intempestiva a fim de marcar meu corpo com sua ânsia de conhecer.
Não acho que meu desejo se torne ainda mais voraz devido à presença dessa doce inocência juvenil. Não é propriamente a inocência dócil, mas a ideia de uma torrente pulsante de instintos, de um emaranhado complexo entre vontade e razão, que de fato me atrai e seduz – este desejo que sinto surge exatamente quando penso que uma alma doce e inocente como a dele se encontra na verdade em si mesma em constante luta contra sua animalidade física, corpórea, numa luta entre corpo e alma: dócil alma, carnalidade voraz.
Quem venceria aquele embate? Na certa, seus pensamentos borbulharam em volúpia ao me ouvir chamá-lo para vir à minha sala após a aula. Aqueles negros olhos que tanto me olhavam enquanto os meus lábios se moviam, na mesma intensidade das grandes poesias, aqueles negros olhos postos em meus lábios enquanto eu recitava Drummond e Pessoa, enquanto eu diversificava os sons para tentar traduzir a beleza versificada de Augusto dos Anjos, ou ainda a ironia de Gullar, pois sim, enquanto eu recitava aqueles versos diversos mas exultantes, seus olhos negros e cobiçosos passeavam pelos meus lábios, acredito tê-los visto descer até o meu decote, deslizando pelo meu corpo como se o calor de seu erotismo me incendiassem à distância. Ele não era como os demais garotos, que sempre correm atrás de outras garotas: ele parecia querer ser mais.
Antes de entrar, ele se deteve na porta. Olhava-me bastante surpreso – Pode entrar, eu disse para ele. Trazia nas costas sua mochila e tinha ainda alguns cadernos na mão. – Venha, chegue mais perto, ponha suas coisas sobre aquela cadeira e sente-se aqui. Era um bom garoto. Fez tudo quanto havia lhe dito, sem tirar em nenhum momento seus olhos de mim. Eu estava sentada em uma cadeira, por trás da minha mesa. Ele sentou-se à minha frente, e disse com a voz um pouco embargada: – Pois não, professora. – Sabe por que te chamei aqui? Indaguei, sugestiva. – Não senhora. Voltei a sugerir algo. – Nem faz alguma ideia? Eu tentava brincar com sua mente. – Não senhora.
Dava para sentir de longe seu coração acelerado. Ele sequer piscava, como se tentasse indagar a mim mesma, ao meu olhar e aos meus movimentos, o que afinal de contas pretendia com ele. Sorri com o canto dos lábios e me levantei para que ele notasse que a saia preta que antes eu vestia já não cobria mais o meu corpo. Estava com uma lingerie também escura, como a meia calça, o que dava um contraste interessante com a blusa branca e o meu decote. Dirigi-me até a porta e tranquei-a, sempre a olhar para aqueles belos olhos negros. A janela é a porta da alma.
– Eu te chamei aqui porque quero lhe mostrar algo, e sei que você certamente irá gostar muito. Eu havia encostado na porta para que ele tivesse tempo de apreciar cada parte do meu corpo disponível para ele. – Faz ideia do que seja? Ele continuava seguindo-me com seus olhos, apreciando a dança sensual que minhas coxas ofertavam para quem apenas se concentrasse na minha buceta. Era o que ele estava a fazer, e chegou mesmo a se incomodar na cadeira ao perceber que eu estava me despindo bem à sua frente.
Aproximei-me de onde ele estava, e conforme me aproximava de seus olhos, pude sentir meu corpo se excitar, o coração também acelerado, havia um risco perpétuo se nos pegassem ali sozinhos. Quando estive bem perto, pude ver o seu volume na calça jeans, volume maravilhosamente sugerido em toda a sua potência de vida. Cruzei com as pernas por cima de seu colo e me sentei sobre a mesa, seu rosto ficou logo à minha frente, minha buceta aberta parecia haver enfeitiçado o garoto. – Sabe o que é isso? Ele não mostrou qualquer reação imediata, mas seus olhos lhe denunciassem o tesão. Ele não me olhava, não conseguia, estava fascinado com meus lábios abertos bem diante de sua face. – Sabe o que é isso? Perguntei outra vez, como se quisesse despertá-lo de um transe. Sei. Ele respondeu com um leve sorriso. – Sei que você desejava há muito tempo a oportunidade de poder devorá-la, via em seu olhar o desejo pulsando toda vez que eu entrava em sala, toda a vez que trazia versos de amor e de loucura. – Isso te incomodava? Ele conseguiu me dirigir aquela pergunta com uma coragem renovada, talvez fosse já a realização de que nós dois, ali juntos, não poderíamos fugir ao destino. – De maneira alguma, pelo contrário... Desconfiava que você ficasse excitado ao me ver em sala. Então pus minha mão no seu membro, para senti-lo endurecido, para deixá-lo mais excitado. – Seu corpo já agora me mostra que eu tinha razão. Não é verdade? Ele deteve-se outra vez sem dizer uma palavra. Sentia apenas minha mão acariciar seu pau endurecido. Os olhos queriam fechar mas ele se conteve. – Sempre que a ouvia recitar aqueles versos, meu único desejo era fuder com a senhora.
Levei-o até o sofá próximo à estante de livros da sala. Sentei primeiro e delicadamente abri minhas pernas, enquanto eu terminava de despir meus seios. – Agora chupe meus lábios como se fosse devorá-los, rapaz, devore-os como você desejou ardentemente fazer cada dia que me via, a cada aula. Porque hoje terá uma aula como nunca, uma aula que jamais se esquecerá.
O garoto tampouco resistiu. E como sua boca era divina! Como a alma dócil e voraz daquele garoto podia me enlevar tão arrebatedoramente! Eu parecia perder a razão ao sentir sua língua roçar meus lábios, sua pele inocente e delicada afundada em gozo profundo era a mais indescritível das sensações. Eu podia não dizer mais nada. Podia me entregar em intenso orgasmo.
Mas eu queria mais. Enquanto ele se perdia entre as minhas pernas, minha boca se pôs a recitar versos.
Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,
Receando outras mandíbulas a esbanjem,
Os dentes antropófagos que rangem,
Antes da refeição sanguinolenta!
Naquela ânsia voraz, eu me decompus em êxtase. Já não me reconhecia, nem lembrava onde mais estávamos. O risco era chegar a gemer tão alto a ponto de atrair a atenção para nossa sala. segurei o quanto pude. Para me controlar, acendi um cigarro, e a cada baforada minha boca exalava um gemido de prazer no ouvido do rapaz.
Um temor repentinamente me sobreveio – e se alguém viesse até aqui e nos encontrasse agora, eu sentada fumando, e entre as minhas pernas um aluno devasso supostamente sob meus cuidados, devorando minha intimidade no berço azul das névoas matutinas? Por certo, não seria a primeira vez que algum desses professores se trancava em uma sala com seus alunos. Valia o risco, pensei. Valeria mesmo? Não estaria, afinal, sucumbindo a esse Mistério da Carne Soberana? Mas poderia desejar não ser quem sou, poderia não desejar esta devassidão intensa, este pulsar de excitação? Eu ansiava por ser conduzida a nado até o horizonte de mim mesma, até o mais fundo de meu próprio abismo. E aquele jovem corpo era meu guia!
Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento
De minha mocidade, experimento
O mais profundo e abalador atrito...
Queimam-me o peito cáusticos de fogo
Esta ânsia de absoluto desafogo
Abrange todo o circulo infinito.
Fi-lo gozar sem qualquer cerimônia, quando minha boca recolheu seu membro endurecido, todo ele, de uma vez. O rapaz estava louco de tesão, sequer pôde esperar para penetrar a fundo meu mundo interior. Tanto melhor. Era minha forma de deixá-lo cedendo. Sabia que eu estaria a partir de agora em seus sonhos mais inconfessos, e sua ânsia pelos meus versos levaria a que ele descobrisse poesia pelo toque das suas mãos. Estava feito ali mais um poeta. Depois de alguns minutos e um beijo, ele saiu pela porta, um pouco vermelho, ainda extasiado, por certo esperançoso de que pudesse ainda fuder minha intimidade algum outro dia. Bem que eu teria apreciado isso. Fiquei aqui, porém, um pouco mais, remoendo essas sensações que ele me fez sentir, exalando pela minha boca as baforadas do fumo acalentador, nua e indefesa.
Talvez fosse o perigo daquela situação aquilo que me excitava. Corro o risco de ser exonerada do mundo normal, condenada por devassidão. Talvez isso me deixe perdida em sofrimento, insatisfeita. Nada que o gozo do prazer não valesse a conta. E prazer se diz em versos, se eleva pelo êxtase até os limites do aceitável. Sou uma insatisfeita por natureza. Gosto da sensação de me perder no amor para me encontrar ao final. Nua e indefesa. Inconfessada para o mundo. Ao menos meu trabalho, feito com esmero, alivia-me o fardo da consciência – trabalho de ensinar poesia às jovens mentes deste país cheio de gente conformada com a miséria de si mesmas. Sempre será minha preocupação, meu dever será, com prazer, ofertar a esses garotos sua primeira poesia. Para me descobrir indefesa na suavidade inocente do olhar selvagem dos instintos.
Na insaciedade desse gozo falho
Busco no desespero do trabalho,
Sem um domingo ao menos de repouso,
Fazer parar a máquina do instinto,
Mas, quanto mais me desespero, sinto
A insaciabilidade desse gozo!
A Augusto dos Anjos,
Por seu legado poético.
Aforismos
A precisão nos faz perder as nuances que há naquilo que cada vez mais precisamos.
....
O mergulho na imaginação pela arte,
O mergulho no mistério pela religião,
O mergulho na razão pela filosofia,
O mergulho no sentir pelo sexo -
Todos são formas de arrebatamento!
....
Há algo de admirável e de mítico na figura da prostituta
- Talvez por ser ela a única capaz de cobrar pelo prazer,
e de sofrer por isso.
....
O mergulho na imaginação pela arte,
O mergulho no mistério pela religião,
O mergulho na razão pela filosofia,
O mergulho no sentir pelo sexo -
Todos são formas de arrebatamento!
....
Há algo de admirável e de mítico na figura da prostituta
- Talvez por ser ela a única capaz de cobrar pelo prazer,
e de sofrer por isso.
Romeo and Juliet
When he shall die,
Take him and cut him out in little stars,
And he will make the face of heaven so fine
That all the world will be in love with night,
And pay no worship to the garish sun.
Juliet, by Shakespeare
Take him and cut him out in little stars,
And he will make the face of heaven so fine
That all the world will be in love with night,
And pay no worship to the garish sun.
Juliet, by Shakespeare
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
O que é a alma?
- O que é a alma?
O senhor coçou a cabeça e cerrou os lábios. Estava sem palavras, e tentou desviar seu olhar do óbvio. - A alma é como um espelho, disse ele enfim.
- Um espelho?
- Sim, como o espelho que nos revela quando frente a ele nos detemos.
- Mas então minha alma não sou eu?
- Olhe para a lagoa, disse o velho. Vê ali a imagem daquelas árvores?
- Mas claro!
- Pois então, digo que para elas a água que lhes reflete a imagem é a sua alma. Pense ainda: se a imagem refletida não existisse, haveria alguma possibilidade de aquelas árvores se conhecerem a si mesmas?
- Mas elas não podem se conhecer apenas porque vêem sua imagem refletida na água!
- Porque elas não possuem alma! Mas e se fossemos nós ali, a ver nossa imagem refletida no espelho d' água. Acha que conseguiríamos entender que aquela imagem revelada é a de nosso próprio ser?
- E como não?
- Pois então, isso mostra que em nós existe algo que se distingue da pura e simples materialidade. Somos o corpo visto, assim como a alma que vê!
- E quão bela me parece ser essa visão!
O senhor coçou a cabeça e cerrou os lábios. Estava sem palavras, e tentou desviar seu olhar do óbvio. - A alma é como um espelho, disse ele enfim.
- Um espelho?
- Sim, como o espelho que nos revela quando frente a ele nos detemos.
- Mas então minha alma não sou eu?
- Olhe para a lagoa, disse o velho. Vê ali a imagem daquelas árvores?
- Mas claro!
- Pois então, digo que para elas a água que lhes reflete a imagem é a sua alma. Pense ainda: se a imagem refletida não existisse, haveria alguma possibilidade de aquelas árvores se conhecerem a si mesmas?
- Mas elas não podem se conhecer apenas porque vêem sua imagem refletida na água!
- Porque elas não possuem alma! Mas e se fossemos nós ali, a ver nossa imagem refletida no espelho d' água. Acha que conseguiríamos entender que aquela imagem revelada é a de nosso próprio ser?
- E como não?
- Pois então, isso mostra que em nós existe algo que se distingue da pura e simples materialidade. Somos o corpo visto, assim como a alma que vê!
- E quão bela me parece ser essa visão!
sábado, 1 de novembro de 2008
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
by Carlos Drummond de Andrade
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
by Carlos Drummond de Andrade
O menino e a árvore
Sabe, leitor querido, quando a gente deseja fugir do sol porque o castigo que ele nos impõe nesse verão é terrível e desgastante? – nesse momento eu vejo como é agradável estar abrigado sob uma árvore. Aqui debaixo corre um vento gostoso, uma brisa suave, brisa fresca do vento da tarde, mas sem o calor insuportável desse verão terrível. Aqui debaixo eu posso descansar da minha longa caminhada até a cidade, posso desligar a minha cabeça das preocupações com a minha irmãzinha. Ela está muito doente, e por isso tenho de ir a cidade, buscar alguns remédios para ela – Mas parar algum tempo sob essa árvore para descansar não fará mal algum.
O caule da árvore em que encostei é enorme, muito mesmo, parece aquelas árvores antigas, mais velhas que minha bisavó, já tão mutilada pela idade avançada. Essa aqui é tão velha quanto minha bisavó, pelo menos parece ser. E quantas folhas ela sustenta nos muitos galhos que ela tem! É por isso que a luz e o calor do sol não me atingem aqui debaixo.
Sinto minha boca secar. Onde vou conseguir água agora, nessa estrada deserta? O sítio mais próximo é quase duas horas daqui. Acho que eu deveria continuar a caminhada até a cidade, senão não chegarei a tempo de levar o remédio para minha irmãzinha tomar antes de anoitecer. Mas essa árvore é tão agradável! Ela é até muito bonita. – A senhora é muito bonita, dona Árvore. Ela finge que não me ouve. Mas árvore não tem ouvido. Ela nem ouviu o que eu falei mesmo. Eu posso falar pra ela qualquer coisa, e ela nem poderá me ouvir.
– É, dona Árvore, as coisas não vão indo muito bem, sabe. Minha irmãzinha ta doente, papai ta querendo sair de casa: disse que não agüenta mais a mamãe reclamando no ouvido dele o dia todo, todo o dia. E mamãe, coitada, ta sustentando a família só pela graça de Deus mesmo, é o que ela diz. Mas eu acho que Deus não gosta muito dela não. Acho que ele não gosta da gente, da nossa família toda. É, dona Árvore, acho que ele não gosta nem um pouquinho da gente.
Engraçado que a bonita da árvore não podia me ouvir, mas quando eu falava alguma coisa de Deus, ela parecia se mexer, parecia que ficava incomodada. Ora, é só impressão minha – Oh moleque, é o vento, diria o meu pai. Ele gostava de dizer que a gente não pode acreditar em tudo que vê. Na escola, a professora já tinha falado isso também, ela falou que o sol não girava em torno da terra, era a terra que girava, junto com alguns planetas, ao redor do sol. É muito interessante isso, porque eu pensava que não, que era o contrário, como a gente pensa quando não conhece as coisas. Mas tem muita coisa que a gente vê e que também não conhece. A árvore balançando agora – meu pai disse que é o vento, ele falou que a ciência estuda essas coisas. Mas não podia ser Deus? Como a gente sabe que é o vento? E mesmo assim, não podia o vento ser um sopro de Deus? Minha mãe gostava muito de falar de Deus pra mim. Ela dizia que a gente sem Deus não é nada. Mas e Deus, seria alguma coisa sem a gente também?
Eu não gosto de ficar pensando nessas coisas. Mamãe disse que se a gente duvidar vai direto pro inferno, e lá tem muito fogo, faz um calor dos diabos! E eu não gosto de calor e de fogo, e de sol, por isso é que eu to aqui debaixo dessa árvore, tentando fugir desse calor. – Mas a senhora não pode fugir do sol hein, dona Árvore! A senhora tem que ficar parada aqui todos os dias, todas as noites, sem dar nem um passinho pra esquerda ou pra direita. Eu não conseguiria ficar aqui durante toda a minha vida. É muito tempo, dona Árvore! Eu não ia poder brincar com os meus amigos, correr no campo, descer a ladeira de patins. É muito chato ficar aqui parado pra sempre! Mas é bom porque eu posso passar aqui sempre, e sentar debaixo da senhora, e descansar um pouquinho até chegar à cidade. Se a senhora não estivesse parada eu não poderia ficar aqui parado também, e se eu voltasse amanhã também não poderia sentar aqui porque talvez a senhora estivesse em outro lugar, talvez no campo correndo também, ou descendo a ladeira. Que bom que árvores não podem descer a ladeira!
A minha irmãzinha pegou um resfriado danado, ela ainda ta de cama e com muita febre, vai fazer já três dias. Sei que com o remédio ela vai melhorar. Eu já melhorei uma vez, quando eu tinha uns dois anos e era um ano mais novo que minha irmãzinha. Eu estava com muita tosse e febre, aí tomei o remédio e pronto! Passou tudo no outro dia. Como esses remédios são bons pra gente! A gente podia morrer sem eles... – A senhora não tem como tomar remédio, não é dona Árvore? Que pena. Mas deve ser muito difícil a senhora pegar um resfriado ou ficar com febre, não é? Deve ser sim.
Já pensei na morte algumas vezes. Não gosto da morte. Ela parece vazia, escura – um nada que me deixa angustiado. Por isso eu gosto da vida, ela tem tanta variedade de beleza, tantas formas e espaços – isso me diverte, gosto da diversão que o diverso me causa. Mas a morte... Que pavor! Tudo tão vazio, tão silencioso, tão... sem vida! Eu não gosto de pensar nisso, não sei, parece que me atemoriza não poder mais abrir os olhos, não mais falar, ouvir e tocar ninguém. Eu sentiria muita falta de poder andar, correr no campo, descer a ladeira de patins. Se eu morresse, eu seria um jovem muito triste porque eu não existiria mais. É muito ruim não existir mais. – A senhora eu sei que existe, dona Árvore. Sei que a senhora está aí, quieta, calada, sem poder me ouvir, mas eu sei que a senhora existe, porque é a senhora que gerou essas folhas que cobrem a luz do sol. E a senhora está sorrindo por dentro porque está viva, porque pode viver, gerar folhas, sentir o vento, sentir minhas costas encostadas na senhora. É bom quando a gente sente que outra pessoa existe.
Eu to gostando de uma menina lá do colégio. Ela é muito bonita. – É até mais bonita que a senhora, dona Árvore. Vê o quanto eu a acho bonita? Pois é, ela me deu um beijo na semana passada, ficou a marca do batom rosa que ela usa, ela é mais velha, mas eu gosto dela. O nome dela é Juliana. Nome bonito o dela... Juliana. Se eu tiver uma filha, mesmo se for com ela, vai se chamar Juliana. Ela é a primeira garota de quem eu gosto de verdade. As outras são muito esquisitas, umas tem uns cabelos feios, outras uns olhos esquisitos, umas mãos magrelas, mas Juliana não. Ela parece uma modelo de tão bonita! Eu queria muito me casar com ela, mas não sei se ela vai esperar eu conseguir um trabalho e poder sustentar nós dois. A situação ta difícil pra gente arrumar um trabalho bom. Meu irmão mais velho até já terminou a faculdade, mas ele só conseguiu trabalho numa loja de computador. – Bom é ser árvore, nem precisa trabalhar, come e dorme e vive sem precisar trabalhar. Mas a gente... a gente tem que ralar pra conseguir alguma coisa boa. Tomara que a Juliana me espere pra gente se casar. Senão vou ter que me virar sozinho mesmo.
O sol parece que ta mais fraco agora. Deixa eu ir embora.
Eu não vou ter que me virar sozinho. Eu tenho a minha mãe, e a minha irmãzinha. Elas me amam. Se a Juliana não me quiser, eu fico com elas. – O ruim é que árvore não pode se apaixonar, não é mesmo dona Árvore? Eu não queria ser árvore não, sem amor não tem graça. A vida fica mais bonita quando a gente sabe que existe alguém que ama a gente, que brinca com a gente, que vive com a gente – e que morre com a gente. Se a senhora soubesse o que é o amor, dona Árvore, a senhora iria com certeza querer ser igual a gente.
O caule da árvore em que encostei é enorme, muito mesmo, parece aquelas árvores antigas, mais velhas que minha bisavó, já tão mutilada pela idade avançada. Essa aqui é tão velha quanto minha bisavó, pelo menos parece ser. E quantas folhas ela sustenta nos muitos galhos que ela tem! É por isso que a luz e o calor do sol não me atingem aqui debaixo.
Sinto minha boca secar. Onde vou conseguir água agora, nessa estrada deserta? O sítio mais próximo é quase duas horas daqui. Acho que eu deveria continuar a caminhada até a cidade, senão não chegarei a tempo de levar o remédio para minha irmãzinha tomar antes de anoitecer. Mas essa árvore é tão agradável! Ela é até muito bonita. – A senhora é muito bonita, dona Árvore. Ela finge que não me ouve. Mas árvore não tem ouvido. Ela nem ouviu o que eu falei mesmo. Eu posso falar pra ela qualquer coisa, e ela nem poderá me ouvir.
– É, dona Árvore, as coisas não vão indo muito bem, sabe. Minha irmãzinha ta doente, papai ta querendo sair de casa: disse que não agüenta mais a mamãe reclamando no ouvido dele o dia todo, todo o dia. E mamãe, coitada, ta sustentando a família só pela graça de Deus mesmo, é o que ela diz. Mas eu acho que Deus não gosta muito dela não. Acho que ele não gosta da gente, da nossa família toda. É, dona Árvore, acho que ele não gosta nem um pouquinho da gente.
Engraçado que a bonita da árvore não podia me ouvir, mas quando eu falava alguma coisa de Deus, ela parecia se mexer, parecia que ficava incomodada. Ora, é só impressão minha – Oh moleque, é o vento, diria o meu pai. Ele gostava de dizer que a gente não pode acreditar em tudo que vê. Na escola, a professora já tinha falado isso também, ela falou que o sol não girava em torno da terra, era a terra que girava, junto com alguns planetas, ao redor do sol. É muito interessante isso, porque eu pensava que não, que era o contrário, como a gente pensa quando não conhece as coisas. Mas tem muita coisa que a gente vê e que também não conhece. A árvore balançando agora – meu pai disse que é o vento, ele falou que a ciência estuda essas coisas. Mas não podia ser Deus? Como a gente sabe que é o vento? E mesmo assim, não podia o vento ser um sopro de Deus? Minha mãe gostava muito de falar de Deus pra mim. Ela dizia que a gente sem Deus não é nada. Mas e Deus, seria alguma coisa sem a gente também?
Eu não gosto de ficar pensando nessas coisas. Mamãe disse que se a gente duvidar vai direto pro inferno, e lá tem muito fogo, faz um calor dos diabos! E eu não gosto de calor e de fogo, e de sol, por isso é que eu to aqui debaixo dessa árvore, tentando fugir desse calor. – Mas a senhora não pode fugir do sol hein, dona Árvore! A senhora tem que ficar parada aqui todos os dias, todas as noites, sem dar nem um passinho pra esquerda ou pra direita. Eu não conseguiria ficar aqui durante toda a minha vida. É muito tempo, dona Árvore! Eu não ia poder brincar com os meus amigos, correr no campo, descer a ladeira de patins. É muito chato ficar aqui parado pra sempre! Mas é bom porque eu posso passar aqui sempre, e sentar debaixo da senhora, e descansar um pouquinho até chegar à cidade. Se a senhora não estivesse parada eu não poderia ficar aqui parado também, e se eu voltasse amanhã também não poderia sentar aqui porque talvez a senhora estivesse em outro lugar, talvez no campo correndo também, ou descendo a ladeira. Que bom que árvores não podem descer a ladeira!
A minha irmãzinha pegou um resfriado danado, ela ainda ta de cama e com muita febre, vai fazer já três dias. Sei que com o remédio ela vai melhorar. Eu já melhorei uma vez, quando eu tinha uns dois anos e era um ano mais novo que minha irmãzinha. Eu estava com muita tosse e febre, aí tomei o remédio e pronto! Passou tudo no outro dia. Como esses remédios são bons pra gente! A gente podia morrer sem eles... – A senhora não tem como tomar remédio, não é dona Árvore? Que pena. Mas deve ser muito difícil a senhora pegar um resfriado ou ficar com febre, não é? Deve ser sim.
Já pensei na morte algumas vezes. Não gosto da morte. Ela parece vazia, escura – um nada que me deixa angustiado. Por isso eu gosto da vida, ela tem tanta variedade de beleza, tantas formas e espaços – isso me diverte, gosto da diversão que o diverso me causa. Mas a morte... Que pavor! Tudo tão vazio, tão silencioso, tão... sem vida! Eu não gosto de pensar nisso, não sei, parece que me atemoriza não poder mais abrir os olhos, não mais falar, ouvir e tocar ninguém. Eu sentiria muita falta de poder andar, correr no campo, descer a ladeira de patins. Se eu morresse, eu seria um jovem muito triste porque eu não existiria mais. É muito ruim não existir mais. – A senhora eu sei que existe, dona Árvore. Sei que a senhora está aí, quieta, calada, sem poder me ouvir, mas eu sei que a senhora existe, porque é a senhora que gerou essas folhas que cobrem a luz do sol. E a senhora está sorrindo por dentro porque está viva, porque pode viver, gerar folhas, sentir o vento, sentir minhas costas encostadas na senhora. É bom quando a gente sente que outra pessoa existe.
Eu to gostando de uma menina lá do colégio. Ela é muito bonita. – É até mais bonita que a senhora, dona Árvore. Vê o quanto eu a acho bonita? Pois é, ela me deu um beijo na semana passada, ficou a marca do batom rosa que ela usa, ela é mais velha, mas eu gosto dela. O nome dela é Juliana. Nome bonito o dela... Juliana. Se eu tiver uma filha, mesmo se for com ela, vai se chamar Juliana. Ela é a primeira garota de quem eu gosto de verdade. As outras são muito esquisitas, umas tem uns cabelos feios, outras uns olhos esquisitos, umas mãos magrelas, mas Juliana não. Ela parece uma modelo de tão bonita! Eu queria muito me casar com ela, mas não sei se ela vai esperar eu conseguir um trabalho e poder sustentar nós dois. A situação ta difícil pra gente arrumar um trabalho bom. Meu irmão mais velho até já terminou a faculdade, mas ele só conseguiu trabalho numa loja de computador. – Bom é ser árvore, nem precisa trabalhar, come e dorme e vive sem precisar trabalhar. Mas a gente... a gente tem que ralar pra conseguir alguma coisa boa. Tomara que a Juliana me espere pra gente se casar. Senão vou ter que me virar sozinho mesmo.
O sol parece que ta mais fraco agora. Deixa eu ir embora.
Eu não vou ter que me virar sozinho. Eu tenho a minha mãe, e a minha irmãzinha. Elas me amam. Se a Juliana não me quiser, eu fico com elas. – O ruim é que árvore não pode se apaixonar, não é mesmo dona Árvore? Eu não queria ser árvore não, sem amor não tem graça. A vida fica mais bonita quando a gente sabe que existe alguém que ama a gente, que brinca com a gente, que vive com a gente – e que morre com a gente. Se a senhora soubesse o que é o amor, dona Árvore, a senhora iria com certeza querer ser igual a gente.
Soneto do meu amor
Porque não me apercebo, desfaleço
Pela culpa em saber quanto me ama
Este amor que te faz, já não mereço
Que me tome no prazer da tua cama
Teu corpo que se esconde no pijama
Na cama, não escondo meu apreço
Pele nua que se deita - uma dama
Nesta noite saberei que eu pereço
Formosa travessura do desejo
Loucuras do prazer de amar-te sempre
Perdido no sabor deste teu beijo
Se é possível algum dia um livramento?
Livrar-se do amor é impossível
Sem que a alma naufrague em sofrimento
Pela culpa em saber quanto me ama
Este amor que te faz, já não mereço
Que me tome no prazer da tua cama
Teu corpo que se esconde no pijama
Na cama, não escondo meu apreço
Pele nua que se deita - uma dama
Nesta noite saberei que eu pereço
Formosa travessura do desejo
Loucuras do prazer de amar-te sempre
Perdido no sabor deste teu beijo
Se é possível algum dia um livramento?
Livrar-se do amor é impossível
Sem que a alma naufrague em sofrimento
Obama neles!
O Rio de Janeiro está dividido: de um lado a cultura, de outro as UPAs; de um lado o democrata, de outro o republicano; de um lado o humano, do outro o animalesco. Mas há espaços indecisos, há aqueles que se abstiveram. Volta novamente a paixão pelo pleito - Será que também há salvação acima do Equador?
Anne Rice sai das trevas
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