A sagacidade crítica com que Saramago mergulha no mundo mítico do judaísmo em seu livro mais recente é de nos tirar o fôlego, e nos leva a uma assustadora jornada pelo conflito entre a fé e a razão de um homem posto a contemplar todos os absurdos que o deus deste povo é capaz de praticar para levar seus súditos à reverência. O berço cultural do cristianismo está aqui transpassado pelo vigor das letras lusitanas de um dos maiores escritores vivos, e talvez o maior deles em língua portuguesa - O Caim de Saramago é um alimento para o espírito inconformado, que encontra na ironia a própria essência da crítica sábia, itinerante, que não se limita aos ditames da racionalidade acadêmica e formal, mas que pulsa no peito aquela serena jovialidade do artista acima das filiações, dos partidarismos, para expressar a angústia da alma em busca da beleza essencial do mundo e de nós mesmos... E não à toa a ironia nasceu juntamente com o espírito filosófico, com a paixão pela descoberta do novo, do outro, de tudo; e é pela ironia que Saramago nos mostra um "novo" antigo testamento, uma "nova" mitologia, um "novo" deus. A força de sua novidade pode ser apreciada neste belo verso a traduzir toda a grandeza que seu texto nos inspira nesta volta ao passado - Havia uma nuvem escura no alto do monte Sinai, ali estava o senhor.
Ou como mostrar a alma quando não se pode olhá-la no espelho, embora ela esteja ali, nos observando...
Por que estas pulsões ocêanicas?
Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?
***
A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
***
A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário