Desde o artista jovem de Joyce ou meu encontro arrebatador com Nietzsche, não havia me identificado de um modo tão inexplicável com uma personagem como aconteceu no caso de Sidarta, da obra monumental de Hesse. O desejo de dar vazão à própria voz, ouvida apenas pelo incômodo interno dos momentos mais angustiosos da existência, é descrito por Hesse com uma finura de sentimento e uma força imaginativa que para mim era impossível não quedar paralisado, absorto, maravilhado. Minha alma estava ali. Era como se as buscas incessantes do protagonista retratassem, do outro lado do mundo, as incessantes travessias que fiz, não de um lugar a outro, mas aqui dentro, em meu ser, num transitar que pouco tem de visível a qualquer um que estivesse ao meu lado. O mundo interno borbulha, enquanto a vida externa segue por vezes pacata, cotidiana, quase sempre monótona. O mergulho interno, vertical, das profundezas até a transcendência, foi e continua sendo meu roteiro de viagens, de descobertas, de experiências. Os percalços de Sidarta em busca do conhecimento, em busca de respostas para sua alma, é a busca que me pervade o ser, o dever ser, o devir. Seu envelhecer na simplicidade da vida realizou, diria mesmo, os influxos teleológicos que me tomam sem deles ter plena consciência. Até agora. Em Sidarta pude vê-los, ver-me o fim, de algum modo premonitório, profético. A sabedoria oriental, ocidental, natural, a reunião do que é humano em poucas palavras, tudo me pareceu deveras divino. O encontro com Hesse, depois ainda em Lobo da Estepe, foi a mais grata surpresa que tive neste início de ano. Uma surpreendente visão de mim mesmo: não mais como um tipo louco ou extravagante, como se costuma dizer, tipo que sequer aparece na literatura machadiana, nossa melhor, e que por isso mesmo foge à possibilidade de compreensão do homem brasileiro. O tipo do homem voltado às questões mais significativas da existência humana é quase sempre incompreendido pelos demais - para tanto, Hesse nos oferece, com extrema habilidade, as grandezas e misérias de uma vida como essa. Uma vida, por assim dizer, filosófica.
Ou como mostrar a alma quando não se pode olhá-la no espelho, embora ela esteja ali, nos observando...
Por que estas pulsões ocêanicas?
Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?
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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
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