Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A política em berço esplêndido


Que as cachoeiras venham abaixo! A farsa está instalada: o exercício retórico dos seus atores será mais uma vez boa diversão para os aficionados em aprender a técnica da oratória. Se a CPI tem razão de ser instalada, e se ela tem mostrado, mais que denúncias de envolvimentos de parlamentares com um bicheiro, um sórdido e, diria mesmo, cotidiano esquema de corrupção, da empresa Delta junto a obras do Governo (petista ou de seus aliados, na maioria dos casos), o alvoroço da mídia sobre ela esconde uma verdade que muitos ainda não se deram conta: o Governo tem feito pouco caso dos possíveis resultados de mais uma CPI contra a corrupção. Para um partido que tenha tido a capacidade de sobreviver às denúncias grotescas do senhor Roberto Jefferson sobre o mensalão, em 2005, parece desnecessário se preocupar com eventuais alardes sobre sua veia corrupta. No fundo, é pelo mote do "rouba mas faz" que a sequência de governos petistas tem ensinado aos mais novatos que não é possível fazer política honestamente, que a corrupção é inerente aos jogos de poder, e que aquele que não se sujar não pode realizar nada de significativo para a população.
Teríamos então que perguntar - o que o Governo vem fazendo, sob o alegado mote, para o bem da população? Enquanto a CPI engatinha seus primeiros passos, a senhora Dilma aprovou junto aos bancos estatais um corte nos juros bancários, numa clara, e mesmo anunciada, ofensiva contra o sistema bancário do país. Isso é lá uma aposta e tanto para agradar o contribuinte! Mas será que agradaria igualmente sabermos que a dita empresa Delta, ameaçada pelas denúncias da Polícia Federal e agora da CPI, está em vias de ser comprada pelo grupo J&F Holding, cujo conselho consultivo é presidido pelo ex-presidente do Banco Central, o senhor Henrique Meirelles, e que é o grupo controlador do frigorífico FBS, cujo patrimônio possui um terço de investimento do BNDES? Talvez não seja tão animador pensar que é o nosso dinheiro que paga o teatro político em Brasília, e que agora arcará com as despesas de empresas falidas devido a denúncias desta mesma política paga por nós. No fim das contas, se tivéssemos ouvidos para ouvir, a voz ressonante do "rouba mas faz" teria dado origem a sua verdadeira voz: "põe na conta do povo, que tá tudo certo". O que nos impede de ouvi-la? Deve ser o barulho constante das águas descendo cachoeira abaixo.
Num futuro próximo, talvez o que nos impeça de ouvir não seja exatamente a nossa incapacidade para nos darmos conta do que acontece frente aos nossos olhos. O próximo plano político do partido do Governo, abusivamente anunciado pelo presidente do partido Rui Falcão, está em afrontar a mídia com um regime - diriam os russos e alemães, com uma boa experiência nessa área - totalitário em sua essência. Quem não desconfia que o PT só entrou na política para realizar o socialismo a qualquer custo, e quem ainda não percebeu que as experiências socialistas não foram as mais desejáveis, não poderá ouvir nem ver os próximos atos desta "Comédia de erros".

domingo, 6 de maio de 2012



Existem aqueles que vivem por prazer ou pelo sucesso, e se precupam excessivamente consigo mesmos; existem aqueles que vivem pelos outros, e agem como que gratuitamente a fim de realizarem o bem. Todas estas três formas de realização existencial são em si mesmas insatisfatórias: o segredo não está em viver por esses bens, quaisquer sejam eles, mas em encontrar o bem de estar vivo e de poder viver por aquilo que se deve viver. A existência é o maior dos nossos bens.

Soneto em tributo à Afrodite



A vida para ali, quando ela passa
meu corpo cala só - como se perdesse
o ar, naquele encanto que esfumaça
a pretensão de um amor igual a esse

Inigualável em essência, inimitável
forma de dar à luz esta divindade
do amor, apaixonado - imperdoável
a quem ofende sua nobre santidade.

Imaculado, o meu desejo em chama
arde no peito, coração, na cama,
não vendo a hora de ser consumado:

o altar preparado para o delírio,
a forca pronta, este cruel martírio -
pudera viver sempre arrebatado.

Aborto e outras mortes desumanas...


Um ser humano encontrado em uma floresta perdido, por volta dos seus oito ou nove anos, sem ter nenhum tipo de comunicação anterior com sociedades, sem ter aprendido a falar e a pensar como nós, desprovido de cidadania, desprotegido em meio à selva da vida. É justo matar este ser a partir da opinião de que ele não é "humano"? O que esse "humano" quer dizer? Ausência de pleno desenvolvimento, em um indivíduo de uma determinada espécie, das capacidades possíveis àquela espécie é razão para não classificá-lo como a ela pertencente? Uma criança ou um idoso profudamente debilitado não são mais humanos porque não dotados da capacidade de exercerem plenamente suas possibilidades? É razão suficiente para matar alguém que ele ainda não ou não mais apresente as propriedades plenas do "humano"? Qualquer tentativa de justificar a morte de um feto ainda não barriga da mãe esbarra na mesma consideração.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O mundo por trás do mundo


Existe no mundo cultural - quer dizer: no âmbito da divulgação e produção de ideias veiculadas nacional e mundialmente, o que se poderia chamar de duas camadas de opiniões, inegavelmente interrelacionadas, e que em determinadas épocas se interpõem e se chocam; em outras, colaboram incessantemente. Abusando dos termos próprios às religiões e sociedades secretas, poderíamos dizer que uma camada seria esotérica - ou seja, aquela em que as ideias e opiniões circulantes são condizentes com os fatos e as intenções reais de quem os analisa ou realiza - enquanto a outra seria exotérica - disposta ao público em geral, veiculada massivamente, e que pode ter ou não relação fidedigna com a camada esotérica. Quer-se dizer com isso que no conjunto das opiniões que apreendemos na sociedade, algumas delas dizem respeito de fato ao que acontece, enquanto outras são apenas modos diferentes de se dizer, eufemística e adulatoriamente, o que de fato acontece. Como alguém que prega aos quatro ventos aquilo que ele mesmo está longe de praticar, o mundo das ideias culturais vive uma esquizofrenia aguda. Se em determinadas épocas a relação entre as duas camadas poderia se dar por vezes de modo inconsciente ou não planejado, hoje se percebe uma crescente capacidade de articulação intencional entre as duas, e o que é pior: no sentido de fazer com que a camada exotérica veicule e apresente ideias e opiniões que distorcem propositalmente os aspectos escusos e esotéricos daquilo que tem acontecido de fato.
Para ilustrar o quadro atual, nada melhor do que perder alguns minutos de nosso precioso tempo frente à televisão: em qualquer telejornal brasileiro, o modo como as reportagens são escolhidas, editadas e veiculadas é já uma amostra daquilo que se poderia chamar a intenção exotérica de mostrar as notícias - enquanto aquilo que de fato acontece permanece nos bastidores: ou drasticamente recortado pelas edições, ou absurdamente negado enquanto digno de ser notícia. O caso Obama é exemplar, mas não é o único: as águas têm descido cachoeira abaixo, sem sequer serem compreendidas em todas as suas implicações pelo cidadão leigo em política. É preciso ter algum faro para linguagem tendenciosa e retórica, algum treino mais apurado em filosofia, para perceber que as imagens e frases ditas pelo aparelho de TV e jornais brasileiros não são uma denúncia do que tem acontecido, mas uma escolha certeira daquilo que querem que acreditemos ser o que de fato tem acontecido. Se nós, pobre mortais, não podemos participar do jogo esotérico do poder, sobra-nos a ressalva importante de avaliarmos que espécie de saber político pode ser apreendido pela confrontação das muitas notícias exotéricas. Mas um trabalho como esse, senão impossível de ser realizado pelo cidadão comum, deveria ser objeto de estudo constante daquele que aspira à filosofia, tal como Sócrates e Nietzsche nos ensinaram: a busca incansável pela verdade. Quem se habilitaria a uma missão como essa, em um país abandonado aos corvos? O Brasil carece de filósofos - porque nem sequer sabe o que isto quer dizer.