Existe no mundo cultural - quer dizer: no âmbito da divulgação e produção de ideias veiculadas nacional e mundialmente, o que se poderia chamar de duas camadas de opiniões, inegavelmente interrelacionadas, e que em determinadas épocas se interpõem e se chocam; em outras, colaboram incessantemente. Abusando dos termos próprios às religiões e sociedades secretas, poderíamos dizer que uma camada seria esotérica - ou seja, aquela em que as ideias e opiniões circulantes são condizentes com os fatos e as intenções reais de quem os analisa ou realiza - enquanto a outra seria exotérica - disposta ao público em geral, veiculada massivamente, e que pode ter ou não relação fidedigna com a camada esotérica. Quer-se dizer com isso que no conjunto das opiniões que apreendemos na sociedade, algumas delas dizem respeito de fato ao que acontece, enquanto outras são apenas modos diferentes de se dizer, eufemística e adulatoriamente, o que de fato acontece. Como alguém que prega aos quatro ventos aquilo que ele mesmo está longe de praticar, o mundo das ideias culturais vive uma esquizofrenia aguda. Se em determinadas épocas a relação entre as duas camadas poderia se dar por vezes de modo inconsciente ou não planejado, hoje se percebe uma crescente capacidade de articulação intencional entre as duas, e o que é pior: no sentido de fazer com que a camada exotérica veicule e apresente ideias e opiniões que distorcem propositalmente os aspectos escusos e esotéricos daquilo que tem acontecido de fato.
Para ilustrar o quadro atual, nada melhor do que perder alguns minutos de nosso precioso tempo frente à televisão: em qualquer telejornal brasileiro, o modo como as reportagens são escolhidas, editadas e veiculadas é já uma amostra daquilo que se poderia chamar a intenção exotérica de mostrar as notícias - enquanto aquilo que de fato acontece permanece nos bastidores: ou drasticamente recortado pelas edições, ou absurdamente negado enquanto digno de ser notícia. O caso Obama é exemplar, mas não é o único: as águas têm descido cachoeira abaixo, sem sequer serem compreendidas em todas as suas implicações pelo cidadão leigo em política. É preciso ter algum faro para linguagem tendenciosa e retórica, algum treino mais apurado em filosofia, para perceber que as imagens e frases ditas pelo aparelho de TV e jornais brasileiros não são uma denúncia do que tem acontecido, mas uma escolha certeira daquilo que querem que acreditemos ser o que de fato tem acontecido. Se nós, pobre mortais, não podemos participar do jogo esotérico do poder, sobra-nos a ressalva importante de avaliarmos que espécie de saber político pode ser apreendido pela confrontação das muitas notícias exotéricas. Mas um trabalho como esse, senão impossível de ser realizado pelo cidadão comum, deveria ser objeto de estudo constante daquele que aspira à filosofia, tal como Sócrates e Nietzsche nos ensinaram: a busca incansável pela verdade. Quem se habilitaria a uma missão como essa, em um país abandonado aos corvos? O Brasil carece de filósofos - porque nem sequer sabe o que isto quer dizer.
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