Tudo bem que as reportagens na mídia brasileira atual sejam padronizadas, e mais que isso, sejam induzidas com fins ideológicos. Tudo bem que muito antes que informar, a mídia atual, e a brasileira mais que todas, destina-se a (in)formar. Mas caberia perguntar: também não há indução ideológica nas universidades? O recente 'debate' na internet entre a jornalista Rachel Sheherazade e a estudante de mestrado Mariana (popozuda?) Gomes - digo 'debate' apenas para meus próprios fins 'ideológicos' - trouxe a discussão sobre o papel do funk na cultura brasileira, o feminismo a ele ligado e, por tabela, as relações e influências inegáveis de ambos sobre as pobres mentes tupiniquins. Isso porque em meio a um debate verborrágico, em que as palavras são deslocadas de seus contextos, a coisa vira mesmo um baile em que muito pouco ou quase nada se chega a saber se não se fugir de volta à realidade.
No que me caberia alguma posição enquanto estudante de mestrado, não em Cultura e Territorialidades na UFF, (in)felizmente, devo dizer que a cultura é sim hierarquizada, e não poderia ser diferente, dada a possibilidade mesma de ela ser conceituada. Se tudo fosse cultura ou cultural em uma sociedade, não levaria um segundo para alguém notar a ausência completa e instantânea da mesma. A distinção entre coisas é característica inalienável dos sentidos naturais, e no homem esse aspecto abre espaço ao do apreço, ao da valoração. Distinguir coisas para o homem sempre será uma distinção entre bom e ruim, belo e feio, justo e injusto, ainda que se diga o contrário. Distinguir o cultural do não cultural é algo que mesmo nossa estudante de mestrado sabe muito bem fazer, já que cobra conhecimento. E ao cobrar conhecimento da jornalista está demonstrando, ora vejam, a existência de uma hierarquia quanto ao conhecimento, ou antes, entre aqueles que sabem e os que não sabem. Para a senhorita popozuda, como para todo homem de senso, quem conhece algo deve ser melhor no falar sobre algo que aquele que nada sabe.
Pois bem, se a palavra 'cultura' hoje se vê tão desgastada que já não se percebe com clareza as distinções que a diferenciam do que não é cultural, tais problemas de visão, no entanto, não deveriam atingir o espaço da universidade. É papel da universidade a investigação e o ensino voltados para o conhecimento, e o conhecimento acerca do que não se conhece começa sempre pelo que já é conhecido. Este conhecido, cuja função é nortear a investigação, não é assumido na escala hierárquica do conhecimento como um 'clássico'? Se a estudante popozuda teve de ler quatro livros (sic!) para ingresso no mestrado, significa que aos coordenadores do programa tais livros são 'clássicos' para a investigação sobre a cultura - claro, segundo sua própria ideia de cultura. Não seria então muito mais legítimo defender a falta de hierarquia em relação ao conhecimento? Para que ler tais livros, deveria perguntar a estudante, se podemos aprender igualmente com o batidão? A 'desonestidade intelectual' encontra-se exatamente no igualitarismo cultural, que se não tenta rebaixar a alta cultura, intenta elevar o apelo sexual mais imediato ao cume da dignidade cultural, ainda que os dois movimentos acabem dando no mesmo.
Igualar Saramago e Valesca é questionar, no fim das contas, por que é que ainda temos faculdades. Para que, se tudo possui o mesmo valor cultural? Pode-se obter a mesma experiência humana lendo Ensaio sobre a Cegueira e ouvindo Tati quebra-barraco! Bem, a continuar assim, talvez a universidade realmente já não sirva mais para nada. Talvez já não haja mais necessidade de perder meses e meses lendo Machado ou Proust. Talvez já não haja diferença entre livros e enfeites de prateleira. Será neste instante, certamente, que o Brasil descerá de uma vez por todas pelo ralo. E se depender da atual cultura brasileira, sobretudo aquela defendida pela nossa camada dita intelectual, o buraco será ainda mais fundo.
A Rachel, pelo excelente trabalho de voz no deserto, ainda que soe às vezes histérica.
O link para as fontes do 'debate': A reportagem e A resposta
3 comentários:
Ir a bailes não quer dizer que conheça a realidade, duvido que ela (Mariana) gostaria de ver a influência negativa que o funk atual desperta nas crianças, sobretudo num filho. Mas sem querer me estender, a jornalista por vezes perdeu a razão por se expressar mal e demonstrar bastante preconceito com o que é popular em si, além do jornalismo feito no SBT ser péssimo mesmo. Pelo que percebi a mestranda ainda não discorreu sobre o assunto "profundamente", apenas superficialmente, inclusive na carta-resposta não se preocupou com argumentos sólidos, mas seria ótimo se ela direcionasse a sua pesquisa ao fato do funk e a sua mudança brutal, esteticamente falando, ser um reflexo da sociedade brasileira, alienação dos fatos, da desvalorização da mulher (isso por completo) e influência crescente (que poderia ser usada para algo útil, como já foi). De fato o funk é algo concretizado na realidade das comunidades e que atinge a todas as camadas, mas isso só demonstra que precisa ser discutido e não supervalorizado. Definitivamente feminismo não tem coisa alguma a ver com a Valesca (cujo nome só consigo associar a uma mulher sendo puxada pelos cabelos. Isso não é preconceito, é a imagem que ela mesma construiu com o seu trabalho).
Ops! me estendi *_*
OBS: Nossa, cada código que colocam pra provar que a gente não é um robô. Difícil isso.
Excelente, Franciele! Ótimo comentário e crítica!
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