Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

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A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

À janela



Talvez ele não volte. Talvez a vida não me apresente nada de novo e as flores quietas sem vento e o calor que me põe inconstante aqui dentro e fora e sempre continuem. Não gostaria de pensar que esta noite se repetirá, se não amanhã quem sabe outro dia ou ainda num ciclo eterno de ausências sem surpresas, de uma surpreendente mesmice que não cessa. Eu já sei. Sinto teu corpo bem perto, mas não vejo. Uma voz narra o destino da nossa luxúria. Perco as horas solitárias e os acasos determinados pelos sinos da igreja. Perco minha camisola, minha honra, meu futuro. Ganho ilusões e prazeres que só ao teu lado é possível desfrutar. Ao teu lado não posso. Espero ganhar novas roupas e valores. Quero observar a vida passar mas sem me ver ao fim inerte, desamparada. Quero me imergir na vida, cotidiana que seja, medíocre que seja. Não! Se alguma coisa aprendi foram tuas palavras indignadas: sem mediocridade! Serei superior à fatalidade que nos condena por um apelo mesquinho ao imediato da pulsão, mesquinho porque imediato, fatal porque condena. Há que se olhar o horizonte, o sol que desponta pela manhã, o céu azulado de tanto viver. Há vida. E ela não se resume aos anseios de carne, nem aos esmeros de espírito. A vida é tensão. Peca quem deseja os extremos. Sofre quem se apega ao fracasso de recusar-se a entender que não há dois caminhos mas muitos, e sequer se é capaz de escolhê-los um só. Todos os caminhos encontram-se repletos de rosas e espinhos, de dias e noites, de dores e de prazeres. Há que se escolher a vida.

Imagem: quadro de Edward Hopper

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