Foi bonito, mas foi feio. Bonito ver tanta gente que até então não discutia política mostrar suas opiniões e argumentar em favor delas, com maior ou menor eficácia. Feio atentar para o fato de que, ao perder a compostura e a tolerância, não há debate ou argumento que dê jeito. No fundo, o processo eleitoral esse ano tornou-se, por meio das redes sociais e dos escritos jornalísticos, um campo de batalha, ora político no bom sentido da palavra, ora eleitoreiro naquilo que tem de mais mesquinho o jogo pelo poder. Parece que tivemos um pouquinho de tudo. Foi bonito, foi feio: foi, na verdade, ambíguo.
Ainda estivemos sobre o efeito de dois movimentos de grandes proporções, que nos dominaram os ânimos e nos dividiram. Por um lado, tivemos as manifestações do ano passado, uma forma de esbravejar contra a corrupção e contra não sei mais quantas coisas, reunidas todas juntas às ruas do país para simplesmente manifestar. E não foram senão isso: um esbravejar. Grita-se quando não se tem mais outra forma de se expor. O grito é o mais infantil dos apelos, o mais mesquinho dos argumentos. Aliás, sequer adota argumentos. O grito é a falta de um saber-falar, é expressão por gemidos de raiva ou de louvor, e muda ao sabor dos ventos ou à medida que mudem a raiva em louvor e vice-versa. Tanto foi assim que as manifestações de 2013 terminaram com violência, com ofensiva marginal, com as ruas vazias de propostas e cheias de tiro, porrada e bomba. Um retrato daquilo que foi festejado como uma grande contribuição da "pensadora" popozuda a um país tão carente de grandes pensadores.
Por outro lado, a copa trouxe um clima de indignação pelo absurdo com a verba gasta para torná-la possível, junto à paixão pela seleção brasileira que, em uma bela resposta ao amor ao futebol que por aqui é deveras religioso, nos trouxe a maior vergonha nunca dantes imaginada, sequer crível. Uma calamidade, uma heresia! Não poucos foram os que ao fim da copa testemunharam a profunda ambiguidade que nos constrangeu a todos, essa ambiguidade por querer ao mesmo tempo a vida e a morte de um país tão mesquinho porque tão grandioso, ao desejar não estar ali para testemunhar tamanha afronta ao nosso bom-mocismo, a nossa bondade tupiniquim, a nossa diplomacia e cordialidade sempre presentes. Em suma, nossa vergonha estampada nos jornais pela goleada histórica foi sentida como mais humilhante que notícias anteriores sobre corrupção ou sobre nossas deficiências enquanto país. O grito de revolta não poderia ser mais forte.
A meu ver, as eleições desse ano não podem ser entendidas, em toda a sua ambiguidade, sem que façamos essa dupla rememoração. Isso parece sugerir aos meus olhos, com muita simpatia, uma provável explicação para os ânimos acirrados e para a divisão em que o país se viu envolvido até ontem. Até ontem... Será? Não creio. Ao contrário, parece que algo aconteceu a partir desses dois eventos exacerbados, algo que não parece terminar com o simples resultado de ontem. Não poderia deixar de ouvir falar meu lado pessimista, ao acreditar daqui pra frente em uma dicotomia ainda maior entre as duas camadas da sociedade criadas desde então. E ainda me parece muito ambígua a natureza de cada uma delas, para ser possível dizer o que buscam, o que querem. Talvez seja mesmo ambíguo o contexto político em que vivemos para ser possível falar algo de certo.
Só não poderia deixar de perceber que há em toda ambiguidade uma verdade tão clara e certa que mesmo à noite é possível distingui-la. E ontem de noite o que se me esclareceu foi que, ao contrário do parecer do senhor Bonner, nossa democracia encontra-se ainda engatinhando, gritando para que alguém reconheça sua débil necessidade de se mostrar gente grande. Folgo em saber, porém, que por enquanto ainda há a possibilidade de se isentar dos ânimos acalorados a fim de chegar a refletir melhor sobre o que acontece. O mal terrível da democracia é dar a seus integrantes a ambiguidade de não pertencerem a sua atuante mesquinharia. Mas isso não seria um bem? Ah, essa vida ambígua...
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