Ou como mostrar a alma quando não se pode olhá-la no espelho, embora ela esteja ali, nos observando...
Por que estas pulsões ocêanicas?
***
A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Uma última lascividade, do ano
ou deveria.
não que os homens não sejam destrutivos. são.
é que homens destrutivos são tornados. giram cegos em torno de eixo estreito, e pulam em cima de você aleatórios, e fora de órbita e sem causa, chovendo detritos pontiagudos colecionados de outras partes. algumas mulheres também são assim. mas só mulheres de cimento são assim.
já um furacão pertence ao mar.
By Renata Azzi
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
A despedida
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Visita cordial
Uma conversa de trabalho
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum;
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão;
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla;
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades;
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso;
como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição:
Artigo II.1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III.Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV.Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V.Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI.Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VII.Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII.Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX.Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X.Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI.1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo XII.Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII.1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV.1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV.1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI.1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII.1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII.Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX.Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX.1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI.1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII.Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII.1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo XXIV.Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV.1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Artigo XXVI.1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII.1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII.Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX.1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX.Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
sábado, 13 de dezembro de 2008
Oceanic Thoughts
Mais terrível dos silêncios
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Capitu
Todo receio é sempre válido quando se está diante de qualquer tentativa de transpor para imagens as preciosas letras de um gênio da literatura. Mas Machado de Assis não nos legou apenas uma obra-prima, fruto profícuo de sua genialidade: ele inseriu, já a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, seu nome - e junto a ele toda a literatura brasileira - no elevado panteão das letras mais valorosas de toda história da humanidade. Talvez por esse "pequeno" motivo, o receio de acompanhar o trabalho de Luiz Fernando Carvalho tenha sido justificado; embora o resultado que se pôde observar na noite de ontem tenha desfeito qualquer temor mais histérico. A aposta magnífica do diretor em jovens atores; a fantástica performance de Michel Melamed, que sem dúvida apenas testificou aos nossos olhos a qualidade ímpar de sua interpretação; e a indescritível personificação daquela que é a mais impressionante personagem de nossa literatura: a jovem Letícia Persiles parece fazer brotar de seu rosto a mesma perversa e apaixonante aparência de nossa imaginada Capitu - tudo isso é de provocar a alma!
Imagens, sons, vozes: difícil para o espírito manter-se quieto frente à tamanha grandeza estética. Se Hoje é dia de Maria, do mesmo diretor, pareceu não agradar tanto pela estranheza provocada por sua arte, é impossível não sentir em Capitu as próprias letras machadianas soarem como a mais genial de nossas melodias.
Black hole confirmed in Milky Way
The Milky Way was tracked from an observatory in Chile
There is a giant black hole at the centre of our galaxy, a study has confirmed.
German astronomers tracked the movement of 28 stars circling the centre of the Milky Way, using two telescopes in Chile.
The black hole is four million times more massive than our Sun, according to the paper in The Astrophysical Journal.
Black holes are objects whose gravity is so great that nothing - including light - can escape them.
According to Dr Robert Massey, of the Royal Astronomical Society (RAS), the results suggest that galaxies form around giant black holes in the way that a pearl forms around grit.
'The black pearl'
Dr Massey said: "Although we think of black holes as somehow threatening, in the sense that if you get too close to one you are in trouble, they may have had a role in helping galaxies to form - not just our own, but all galaxies.
The most spectacular aspect of our 16-year study, is that it has delivered what is now considered to be the best empirical evidence that super-massive black holes do exist
Professor Reinhard GenzelHead of the research team
"They had a role in bringing matter together and if you had a high enough density of matter then you have the conditions in which stars could form.
"Thus the first generation of stars and galaxies could have come into existence".
The researchers from the Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics in Germany said the black hole was 27,000 light years, or 158 thousand, million, million miles from the Earth.
"Undoubtedly the most spectacular aspect of our 16-year study, is that it has delivered what is now considered to be the best empirical evidence that super-massive black holes do really exist," said Professor Reinhard Genzel, head of the research team.
"The stellar orbits in the galactic centre show that the central mass concentration of four million solar masses must be a black hole, beyond any reasonable doubt."
Observations were made using the 3.5m New Technology Telescope and the 8.2m Very Large Telescope (VLT) in Chile. Both are operated by the European Southern Obsevatory (Eso).
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Afirmação da diferença!
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
http://www.releituras.com/portacurtas.asp
Curtas baseados na nossa literatura, com especial destaque para "missa do galo", com Fernanda Montenegro.
Europeana - Vale a pena aguardar
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Novo recorde de nosso guia!
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
Espírito Poético
Monumento ao jovem em formação
Ao contemplá-las mais demoradamente, não posso deixar de reflectir, pois descubro uma pureza de linguagem nas suas formas e linhas, sentindo que traduzem uma ânsia de regresso (mas não retrocesso) a um espaço sagrado, um encontro de signos transcendentes em que a magia, o fantástico, o desconhecido dum mundo interior, são sintomas dum neo-gnosticismo. Surgem-me, assim, como expressão do inconsciente, de um mundo novo (sagrado) em oposição com o mundo do tecnicismo e da sociedade de consumo (profano).
A artista está perto do limiar do espaço sagrado onde reside o Ego, abrindo a passagem ao inconsciente e às formas puras. Tal como em Moore, Brancusi ou Giacometti, as esculturas de Margarida Santos têm um significado tautogórico, com um sentido místico, como se os objectos se desmaterializassem para se tornarem na emanação de conceitos.
in: Catálogo "Nu feminino" - 1991
Um retorno
sábado, 22 de novembro de 2008
Como uma onda
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Alegoria da Caverna
Platão, A República, Livro VII - 5ª edição, 2007. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
domingo, 16 de novembro de 2008
Aforismos II
E como desejei esta liberdade!
***
Queria ser melhor do que sou,
E descobri que nada é melhor do que ser...
***
Os que pensam, agem com cautela
Os que agem, jamais se deixam abater
Os que se abatem, são vencidos pelo medo.
Monumentos humanos - demasiado humanos
by Da Vinci
Fico pensando na riqueza que foi o período renascentista na história humana. Sua riqueza cultural, espiritual, as obras e o vigor humano que fizeram o mundo em que hoje vivemos, moldaram nossas influências, anunciaram um novo mundo - Mas que novo mundo eles traziam senão a grandeza dos gregos? Que haveria de novo a ser erguido depois dos monumentos construídos pelo espírito humano da Antiguidade? A Grécia - devemos a ela e aos antigos nossa condenação, porque é nela que encontramos nossa redenção! Mas perdoem-me se pareço demasiado grego, se minhas palavras soam tão helênicas! - é que sou demasiadamente humano...
sábado, 15 de novembro de 2008
A música do silêncio
http://www.4shared.com/file/67416318/c42e862c/Beethoven_Op125_Furtwangler1951.html
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Vale a pena
sábado, 8 de novembro de 2008
Para menores de dezoito anos - Proibido?
Aquele rapazote chegou à minha sala com o rosto bastante interessado. Parecia surpreso, mas seu olhar cabisbaixo escondia algo. Era Tímido. Reservado. Era uma doce alma. Uma alma ainda calada. Alma sem versos próprios, porque ainda desconhecido da paixão. Era essa alma doce dos rapazotes que eu adorava. Para tê-la em minhas mãos, para lhes ensinar versos calorosos. Para fruir de sua docilidade intempestiva a fim de marcar meu corpo com sua ânsia de conhecer.
Não acho que meu desejo se torne ainda mais voraz devido à presença dessa doce inocência juvenil. Não é propriamente a inocência dócil, mas a ideia de uma torrente pulsante de instintos, de um emaranhado complexo entre vontade e razão, que de fato me atrai e seduz – este desejo que sinto surge exatamente quando penso que uma alma doce e inocente como a dele se encontra na verdade em si mesma em constante luta contra sua animalidade física, corpórea, numa luta entre corpo e alma: dócil alma, carnalidade voraz.
Quem venceria aquele embate? Na certa, seus pensamentos borbulharam em volúpia ao me ouvir chamá-lo para vir à minha sala após a aula. Aqueles negros olhos que tanto me olhavam enquanto os meus lábios se moviam, na mesma intensidade das grandes poesias, aqueles negros olhos postos em meus lábios enquanto eu recitava Drummond e Pessoa, enquanto eu diversificava os sons para tentar traduzir a beleza versificada de Augusto dos Anjos, ou ainda a ironia de Gullar, pois sim, enquanto eu recitava aqueles versos diversos mas exultantes, seus olhos negros e cobiçosos passeavam pelos meus lábios, acredito tê-los visto descer até o meu decote, deslizando pelo meu corpo como se o calor de seu erotismo me incendiassem à distância. Ele não era como os demais garotos, que sempre correm atrás de outras garotas: ele parecia querer ser mais.
Antes de entrar, ele se deteve na porta. Olhava-me bastante surpreso – Pode entrar, eu disse para ele. Trazia nas costas sua mochila e tinha ainda alguns cadernos na mão. – Venha, chegue mais perto, ponha suas coisas sobre aquela cadeira e sente-se aqui. Era um bom garoto. Fez tudo quanto havia lhe dito, sem tirar em nenhum momento seus olhos de mim. Eu estava sentada em uma cadeira, por trás da minha mesa. Ele sentou-se à minha frente, e disse com a voz um pouco embargada: – Pois não, professora. – Sabe por que te chamei aqui? Indaguei, sugestiva. – Não senhora. Voltei a sugerir algo. – Nem faz alguma ideia? Eu tentava brincar com sua mente. – Não senhora.
Dava para sentir de longe seu coração acelerado. Ele sequer piscava, como se tentasse indagar a mim mesma, ao meu olhar e aos meus movimentos, o que afinal de contas pretendia com ele. Sorri com o canto dos lábios e me levantei para que ele notasse que a saia preta que antes eu vestia já não cobria mais o meu corpo. Estava com uma lingerie também escura, como a meia calça, o que dava um contraste interessante com a blusa branca e o meu decote. Dirigi-me até a porta e tranquei-a, sempre a olhar para aqueles belos olhos negros. A janela é a porta da alma.
– Eu te chamei aqui porque quero lhe mostrar algo, e sei que você certamente irá gostar muito. Eu havia encostado na porta para que ele tivesse tempo de apreciar cada parte do meu corpo disponível para ele. – Faz ideia do que seja? Ele continuava seguindo-me com seus olhos, apreciando a dança sensual que minhas coxas ofertavam para quem apenas se concentrasse na minha buceta. Era o que ele estava a fazer, e chegou mesmo a se incomodar na cadeira ao perceber que eu estava me despindo bem à sua frente.
Aproximei-me de onde ele estava, e conforme me aproximava de seus olhos, pude sentir meu corpo se excitar, o coração também acelerado, havia um risco perpétuo se nos pegassem ali sozinhos. Quando estive bem perto, pude ver o seu volume na calça jeans, volume maravilhosamente sugerido em toda a sua potência de vida. Cruzei com as pernas por cima de seu colo e me sentei sobre a mesa, seu rosto ficou logo à minha frente, minha buceta aberta parecia haver enfeitiçado o garoto. – Sabe o que é isso? Ele não mostrou qualquer reação imediata, mas seus olhos lhe denunciassem o tesão. Ele não me olhava, não conseguia, estava fascinado com meus lábios abertos bem diante de sua face. – Sabe o que é isso? Perguntei outra vez, como se quisesse despertá-lo de um transe. Sei. Ele respondeu com um leve sorriso. – Sei que você desejava há muito tempo a oportunidade de poder devorá-la, via em seu olhar o desejo pulsando toda vez que eu entrava em sala, toda a vez que trazia versos de amor e de loucura. – Isso te incomodava? Ele conseguiu me dirigir aquela pergunta com uma coragem renovada, talvez fosse já a realização de que nós dois, ali juntos, não poderíamos fugir ao destino. – De maneira alguma, pelo contrário... Desconfiava que você ficasse excitado ao me ver em sala. Então pus minha mão no seu membro, para senti-lo endurecido, para deixá-lo mais excitado. – Seu corpo já agora me mostra que eu tinha razão. Não é verdade? Ele deteve-se outra vez sem dizer uma palavra. Sentia apenas minha mão acariciar seu pau endurecido. Os olhos queriam fechar mas ele se conteve. – Sempre que a ouvia recitar aqueles versos, meu único desejo era fuder com a senhora.
Levei-o até o sofá próximo à estante de livros da sala. Sentei primeiro e delicadamente abri minhas pernas, enquanto eu terminava de despir meus seios. – Agora chupe meus lábios como se fosse devorá-los, rapaz, devore-os como você desejou ardentemente fazer cada dia que me via, a cada aula. Porque hoje terá uma aula como nunca, uma aula que jamais se esquecerá.
O garoto tampouco resistiu. E como sua boca era divina! Como a alma dócil e voraz daquele garoto podia me enlevar tão arrebatedoramente! Eu parecia perder a razão ao sentir sua língua roçar meus lábios, sua pele inocente e delicada afundada em gozo profundo era a mais indescritível das sensações. Eu podia não dizer mais nada. Podia me entregar em intenso orgasmo.
Mas eu queria mais. Enquanto ele se perdia entre as minhas pernas, minha boca se pôs a recitar versos.
Naquela ânsia voraz, eu me decompus em êxtase. Já não me reconhecia, nem lembrava onde mais estávamos. O risco era chegar a gemer tão alto a ponto de atrair a atenção para nossa sala. segurei o quanto pude. Para me controlar, acendi um cigarro, e a cada baforada minha boca exalava um gemido de prazer no ouvido do rapaz.
Um temor repentinamente me sobreveio – e se alguém viesse até aqui e nos encontrasse agora, eu sentada fumando, e entre as minhas pernas um aluno devasso supostamente sob meus cuidados, devorando minha intimidade no berço azul das névoas matutinas? Por certo, não seria a primeira vez que algum desses professores se trancava em uma sala com seus alunos. Valia o risco, pensei. Valeria mesmo? Não estaria, afinal, sucumbindo a esse Mistério da Carne Soberana? Mas poderia desejar não ser quem sou, poderia não desejar esta devassidão intensa, este pulsar de excitação? Eu ansiava por ser conduzida a nado até o horizonte de mim mesma, até o mais fundo de meu próprio abismo. E aquele jovem corpo era meu guia!
Fi-lo gozar sem qualquer cerimônia, quando minha boca recolheu seu membro endurecido, todo ele, de uma vez. O rapaz estava louco de tesão, sequer pôde esperar para penetrar a fundo meu mundo interior. Tanto melhor. Era minha forma de deixá-lo cedendo. Sabia que eu estaria a partir de agora em seus sonhos mais inconfessos, e sua ânsia pelos meus versos levaria a que ele descobrisse poesia pelo toque das suas mãos. Estava feito ali mais um poeta. Depois de alguns minutos e um beijo, ele saiu pela porta, um pouco vermelho, ainda extasiado, por certo esperançoso de que pudesse ainda fuder minha intimidade algum outro dia. Bem que eu teria apreciado isso. Fiquei aqui, porém, um pouco mais, remoendo essas sensações que ele me fez sentir, exalando pela minha boca as baforadas do fumo acalentador, nua e indefesa.
Talvez fosse o perigo daquela situação aquilo que me excitava. Corro o risco de ser exonerada do mundo normal, condenada por devassidão. Talvez isso me deixe perdida em sofrimento, insatisfeita. Nada que o gozo do prazer não valesse a conta. E prazer se diz em versos, se eleva pelo êxtase até os limites do aceitável. Sou uma insatisfeita por natureza. Gosto da sensação de me perder no amor para me encontrar ao final. Nua e indefesa. Inconfessada para o mundo. Ao menos meu trabalho, feito com esmero, alivia-me o fardo da consciência – trabalho de ensinar poesia às jovens mentes deste país cheio de gente conformada com a miséria de si mesmas. Sempre será minha preocupação, meu dever será, com prazer, ofertar a esses garotos sua primeira poesia. Para me descobrir indefesa na suavidade inocente do olhar selvagem dos instintos.
A Augusto dos Anjos,
Aforismos
....
O mergulho na imaginação pela arte,
O mergulho no mistério pela religião,
O mergulho na razão pela filosofia,
O mergulho no sentir pelo sexo -
Todos são formas de arrebatamento!
....
Há algo de admirável e de mítico na figura da prostituta
- Talvez por ser ela a única capaz de cobrar pelo prazer,
e de sofrer por isso.
Romeo and Juliet
Take him and cut him out in little stars,
And he will make the face of heaven so fine
That all the world will be in love with night,
And pay no worship to the garish sun.
Juliet, by Shakespeare
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
O que é a alma?
O senhor coçou a cabeça e cerrou os lábios. Estava sem palavras, e tentou desviar seu olhar do óbvio. - A alma é como um espelho, disse ele enfim.
- Um espelho?
- Sim, como o espelho que nos revela quando frente a ele nos detemos.
- Mas então minha alma não sou eu?
- Olhe para a lagoa, disse o velho. Vê ali a imagem daquelas árvores?
- Mas claro!
- Pois então, digo que para elas a água que lhes reflete a imagem é a sua alma. Pense ainda: se a imagem refletida não existisse, haveria alguma possibilidade de aquelas árvores se conhecerem a si mesmas?
- Mas elas não podem se conhecer apenas porque vêem sua imagem refletida na água!
- Porque elas não possuem alma! Mas e se fossemos nós ali, a ver nossa imagem refletida no espelho d' água. Acha que conseguiríamos entender que aquela imagem revelada é a de nosso próprio ser?
- E como não?
- Pois então, isso mostra que em nós existe algo que se distingue da pura e simples materialidade. Somos o corpo visto, assim como a alma que vê!
- E quão bela me parece ser essa visão!
sábado, 1 de novembro de 2008
No meio do caminho
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
by Carlos Drummond de Andrade
O menino e a árvore
O caule da árvore em que encostei é enorme, muito mesmo, parece aquelas árvores antigas, mais velhas que minha bisavó, já tão mutilada pela idade avançada. Essa aqui é tão velha quanto minha bisavó, pelo menos parece ser. E quantas folhas ela sustenta nos muitos galhos que ela tem! É por isso que a luz e o calor do sol não me atingem aqui debaixo.
Sinto minha boca secar. Onde vou conseguir água agora, nessa estrada deserta? O sítio mais próximo é quase duas horas daqui. Acho que eu deveria continuar a caminhada até a cidade, senão não chegarei a tempo de levar o remédio para minha irmãzinha tomar antes de anoitecer. Mas essa árvore é tão agradável! Ela é até muito bonita. – A senhora é muito bonita, dona Árvore. Ela finge que não me ouve. Mas árvore não tem ouvido. Ela nem ouviu o que eu falei mesmo. Eu posso falar pra ela qualquer coisa, e ela nem poderá me ouvir.
– É, dona Árvore, as coisas não vão indo muito bem, sabe. Minha irmãzinha ta doente, papai ta querendo sair de casa: disse que não agüenta mais a mamãe reclamando no ouvido dele o dia todo, todo o dia. E mamãe, coitada, ta sustentando a família só pela graça de Deus mesmo, é o que ela diz. Mas eu acho que Deus não gosta muito dela não. Acho que ele não gosta da gente, da nossa família toda. É, dona Árvore, acho que ele não gosta nem um pouquinho da gente.
Engraçado que a bonita da árvore não podia me ouvir, mas quando eu falava alguma coisa de Deus, ela parecia se mexer, parecia que ficava incomodada. Ora, é só impressão minha – Oh moleque, é o vento, diria o meu pai. Ele gostava de dizer que a gente não pode acreditar em tudo que vê. Na escola, a professora já tinha falado isso também, ela falou que o sol não girava em torno da terra, era a terra que girava, junto com alguns planetas, ao redor do sol. É muito interessante isso, porque eu pensava que não, que era o contrário, como a gente pensa quando não conhece as coisas. Mas tem muita coisa que a gente vê e que também não conhece. A árvore balançando agora – meu pai disse que é o vento, ele falou que a ciência estuda essas coisas. Mas não podia ser Deus? Como a gente sabe que é o vento? E mesmo assim, não podia o vento ser um sopro de Deus? Minha mãe gostava muito de falar de Deus pra mim. Ela dizia que a gente sem Deus não é nada. Mas e Deus, seria alguma coisa sem a gente também?
Eu não gosto de ficar pensando nessas coisas. Mamãe disse que se a gente duvidar vai direto pro inferno, e lá tem muito fogo, faz um calor dos diabos! E eu não gosto de calor e de fogo, e de sol, por isso é que eu to aqui debaixo dessa árvore, tentando fugir desse calor. – Mas a senhora não pode fugir do sol hein, dona Árvore! A senhora tem que ficar parada aqui todos os dias, todas as noites, sem dar nem um passinho pra esquerda ou pra direita. Eu não conseguiria ficar aqui durante toda a minha vida. É muito tempo, dona Árvore! Eu não ia poder brincar com os meus amigos, correr no campo, descer a ladeira de patins. É muito chato ficar aqui parado pra sempre! Mas é bom porque eu posso passar aqui sempre, e sentar debaixo da senhora, e descansar um pouquinho até chegar à cidade. Se a senhora não estivesse parada eu não poderia ficar aqui parado também, e se eu voltasse amanhã também não poderia sentar aqui porque talvez a senhora estivesse em outro lugar, talvez no campo correndo também, ou descendo a ladeira. Que bom que árvores não podem descer a ladeira!
A minha irmãzinha pegou um resfriado danado, ela ainda ta de cama e com muita febre, vai fazer já três dias. Sei que com o remédio ela vai melhorar. Eu já melhorei uma vez, quando eu tinha uns dois anos e era um ano mais novo que minha irmãzinha. Eu estava com muita tosse e febre, aí tomei o remédio e pronto! Passou tudo no outro dia. Como esses remédios são bons pra gente! A gente podia morrer sem eles... – A senhora não tem como tomar remédio, não é dona Árvore? Que pena. Mas deve ser muito difícil a senhora pegar um resfriado ou ficar com febre, não é? Deve ser sim.
Já pensei na morte algumas vezes. Não gosto da morte. Ela parece vazia, escura – um nada que me deixa angustiado. Por isso eu gosto da vida, ela tem tanta variedade de beleza, tantas formas e espaços – isso me diverte, gosto da diversão que o diverso me causa. Mas a morte... Que pavor! Tudo tão vazio, tão silencioso, tão... sem vida! Eu não gosto de pensar nisso, não sei, parece que me atemoriza não poder mais abrir os olhos, não mais falar, ouvir e tocar ninguém. Eu sentiria muita falta de poder andar, correr no campo, descer a ladeira de patins. Se eu morresse, eu seria um jovem muito triste porque eu não existiria mais. É muito ruim não existir mais. – A senhora eu sei que existe, dona Árvore. Sei que a senhora está aí, quieta, calada, sem poder me ouvir, mas eu sei que a senhora existe, porque é a senhora que gerou essas folhas que cobrem a luz do sol. E a senhora está sorrindo por dentro porque está viva, porque pode viver, gerar folhas, sentir o vento, sentir minhas costas encostadas na senhora. É bom quando a gente sente que outra pessoa existe.
Eu to gostando de uma menina lá do colégio. Ela é muito bonita. – É até mais bonita que a senhora, dona Árvore. Vê o quanto eu a acho bonita? Pois é, ela me deu um beijo na semana passada, ficou a marca do batom rosa que ela usa, ela é mais velha, mas eu gosto dela. O nome dela é Juliana. Nome bonito o dela... Juliana. Se eu tiver uma filha, mesmo se for com ela, vai se chamar Juliana. Ela é a primeira garota de quem eu gosto de verdade. As outras são muito esquisitas, umas tem uns cabelos feios, outras uns olhos esquisitos, umas mãos magrelas, mas Juliana não. Ela parece uma modelo de tão bonita! Eu queria muito me casar com ela, mas não sei se ela vai esperar eu conseguir um trabalho e poder sustentar nós dois. A situação ta difícil pra gente arrumar um trabalho bom. Meu irmão mais velho até já terminou a faculdade, mas ele só conseguiu trabalho numa loja de computador. – Bom é ser árvore, nem precisa trabalhar, come e dorme e vive sem precisar trabalhar. Mas a gente... a gente tem que ralar pra conseguir alguma coisa boa. Tomara que a Juliana me espere pra gente se casar. Senão vou ter que me virar sozinho mesmo.
O sol parece que ta mais fraco agora. Deixa eu ir embora.
Eu não vou ter que me virar sozinho. Eu tenho a minha mãe, e a minha irmãzinha. Elas me amam. Se a Juliana não me quiser, eu fico com elas. – O ruim é que árvore não pode se apaixonar, não é mesmo dona Árvore? Eu não queria ser árvore não, sem amor não tem graça. A vida fica mais bonita quando a gente sabe que existe alguém que ama a gente, que brinca com a gente, que vive com a gente – e que morre com a gente. Se a senhora soubesse o que é o amor, dona Árvore, a senhora iria com certeza querer ser igual a gente.
Soneto do meu amor
Pela culpa em saber quanto me ama
Este amor que te faz, já não mereço
Que me tome no prazer da tua cama
Teu corpo que se esconde no pijama
Na cama, não escondo meu apreço
Pele nua que se deita - uma dama
Nesta noite saberei que eu pereço
Formosa travessura do desejo
Loucuras do prazer de amar-te sempre
Perdido no sabor deste teu beijo
Se é possível algum dia um livramento?
Livrar-se do amor é impossível
Sem que a alma naufrague em sofrimento
Obama neles!
O Rio de Janeiro está dividido: de um lado a cultura, de outro as UPAs; de um lado o democrata, de outro o republicano; de um lado o humano, do outro o animalesco. Mas há espaços indecisos, há aqueles que se abstiveram. Volta novamente a paixão pelo pleito - Será que também há salvação acima do Equador?
Anne Rice sai das trevas
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
A lua e a mulher
Sua antiguidade em preceder e sobreviver a sucessivas gerações telúricas: sua predominância noturna: sua dependência satélica: seu reflexo luminar: sua constância sobre todas as fases, erguendo-se e pondo-se em suas horas indicadas, ficando cheia e sumindo: a invariabilidade forçada de seu aspecto: sua resposta indeterminada à interrogação inafirmativa: sua força sobre as águas efluentes e refluentes: seu poder de enamorar, mortificar, investir com beleza, tornar insano, incitar e auxiliar a delinqüência: a inescrutabilidade tranquila de seu rosto: a terribilidade de sua isolada dominante implacável resplendente propinqüidade: seus presságios de tempestade e calmaria: a estimulação de sua luz, seu movimento e sua presença: a advertência de suas crateras, de seus mares áridos, de seu silêncio: seu esplendor, quando visível: sua atração, quando invisível.
Ulisses, by James Joyce - Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, 2005.
Aquela conversa
De que jeito?
Abruptamente, como começamos.
Não me admira, vindo de você.
Pois fui capaz de admirar-me de mim mesmo.
Em que sentido?
Por terminarmos sem ter havido sentido algum...
Para terminarem?
Não, para continuarmos juntos.
Estranho...
Pois veja, não posso continuar com uma mulher com quem não sinto mais prazer.
Mas isso em tão pouco tempo!
Porque não falo de um desejo sexual por ela...
Não entendo.
Não tinha mais desejo de estar ao seu lado.
Como se ela lhe provocasse um mal-estar?
Exatamente!
Entendo o que quer dizer.
Você já sentiu a mesma coisa por alguém?
Sim, claro. Alguns homens depois de um tempo me enojavam...
Isso! Eis o que senti por ela!
E como ela se sentiu?
Nem me fale!
Diga!
Confesso que me fere ter de terminar essas relações sem um motivo aparente...
Sem um sentido...
Não havia mais sentido de continuarmos aquela relação.
Porque não havia mais sentido de estarem juntos...
Exato! E sofro por não sentir mais o desejo que me moveu a possuí-la...
E acaba por feri-la.
Que monstro que sou!
Não se desespere. É normal que aconteça.
Como normal?
O que sentiu por ela nada mais foi que desejo sexual.
Sim, um desejo impetuoso...
E que por sê-lo se desfez, como névoa.
Por que razão?
Porque seu coração não foi atingido.
Fala de amor?
Falo de torpor.
Queria ter sentido meu peito vibrar ao saber que a veria!
Não sentimos isso por todos que desejamos.
Mas é errado então desejar quem não nos atinge o peito?
Que há de errado em desejar por um instante?
E como saber que o outro também apenas lhe deseja?
Mas você se privaria do prazer de possuir o que deseja pelo outro?
E não deveria privar-me?
Quem suporia este dever senão o outro?
Mas não poderia eu também vir a ser o outro?
Mas ser o outro já não lhe mostraria a possibilidade de sofrer por isso?
E não deveria não desejar sofrer?
Mas por que supõe que o desejo não lhe faria sofrer?
E por que deveria desejar o que me faz sofrer?
Mas caso não, você não estaria se privando de certos desejos?
E não é o que deveria fazer? – Preciso saber!
Por quê?
Por que o quê?
Por que deveria fazer isso?
Não desejar o que me faz sofrer?
Isso, por que se limitar a desejar aquilo que não lhe faça sofrer?
Não estou certo em me pôr no lugar do outro?
Quanto ao seu desejo?
E como não?
Mas isso não seria um tanto impróprio?
Por que razão?
Você poderia dizer que o seu desejo sempre equivale ao desejo do outro?
Não estou parecendo claro, não?
Tem dúvida?
Esclareço então. Não posso negar que meu desejo seja tão variado quanto variados são os tipos de mulheres que se pode desejar. Meus olhos percorrem lugares e corpos, e quase sempre se detém naquele que provoca em meu corpo as sensações mais agradáveis. Vejo uma e suas pernas me provocam; outra e seus seios me instigam os sentidos; e não consigo deixar de não notar as curvas sinuosas e latentes de uma bela bunda à minha frente; e quando muito sou como que tomado de incontrolável pulsão sexual pelos gestos e olhares e tudo o que pode me excitar naquilo que ela parece com o corpo desejar sentir. De modo que me sinto terrivelmente seduzido ou por um belíssimo corpo – quando então o que desejo é prová-lo em todo o seu sabor – ou por um lascivo mistério – quando minha vontade não quer nada senão provar de todas as possibilidades que aquela criatura parece me oferecer. Contudo, deste primeiro momento poucas realmente acabam por se realizarem, já que não só depende da minha vontade, mas também da vontade alheia, para que o desejo se torne em prazer e não termine perecendo como frustração e sofrimento. E este é o primeiro ponto de onde começa uma necessária relação com o outro, da qual não se pode escapar – a não ser que eu esteja decidido a não me submeter aos critérios da vontade do outro, e resolva então procurar aquelas criaturas que me ofereceram o prazer que quero no corpo que desejo, sem me privar do instante: mas como, se o meu desejo não está em possuir a facilidade de pagar para realizá-lo, e sim no processo de conquistar o objeto de desejo para então possuí-lo? Quem paga para obter a lascividade da mulher se abstém de sofrer pela impossibilidade de ter o que deseja, mas acaba mergulhando na mais plena fatalidade de relacionar o poder que possui ao dinheiro e não a si mesmo.
Como que perdendo seu próprio valor por conferi-lo ao dinheiro.
E fazendo com que sua vontade sempre seja conduzida por esse tipo de poder, nunca tal sujeito poderá vislumbrar as reais possibilidades de desenvolver-se e cultivar-se. O homem de dinheiro corre o risco de perder seu potencial civilizador porque deixa de se importar com o cultivo de si, de sua alma – e isso tem sido minha preocupação constante: o cultivo da minha alma.
Mas poderíamos dizer que todo aquele que se relaciona com esses tipos perde sua cultura?
Tendencialmente é o que se pode concluir.
Sabe que está indo contra boa parte dos homens, não?
Importa-me saber se o que digo e o que faço é ou não coerente.
E acha que tem razão ao dizer isto dos homens de dinheiro?
Acredito que não posso elevar culturalmente uma relação como essa, mediada.
Elevar culturalmente?
Pôr em destaque, como ideais de convivência e de relacionamento humano.
Ou seja, aquilo que não eleva no homem sua humanidade?
Ou aquilo que o rebaixa à animalidade.
Então você está pondo a limitação como inerente ao desejo?
É o que inegavelmente nos ocorre quando em convivência, quando em relação com o outro.
Por isso é que não podemos nos livrar do sofrimento de não podermos ter muitas vezes o que desejamos?
E como poderíamos?
Pois isto ratifica o que eu disse antes...
Mas não totalmente.
Não vejo como não.
Discordamos exatamente no modo como tratamos o outro em nossos desejos. Se concordamos que sofrer pelo que se quer é inevitável, não entendemos do mesmo modo como este sofrimento pode nos polir e nos educar. Porque para você, o fato de haver um inevitável sofrimento na vontade, não significa que eu deveria por conta disso pensar no que posso estar causando ao outro, seja ao preteri-lo se ele se aproxima, seja negando a realização de seu prazer, seja ainda oferecendo-lhe tal realização por um instante menor que o de sua expectativa. Em todo o caso, devo fazer aquilo que desejo.
É o que digo.
Pois sendo assim, o sofrimento do outro nada significa para a nossa vontade.
De modo algum.
E então o que sobra?
Cada um fazendo aquilo que deseja, sem medo de vir a sofrer por não realizá-lo.
Mas esta diferença entre as nossas visões acerca da relação com o outro se deve justamente pela concepção de desejo da qual não partilhamos. Para você, o desejo está primeiro na propensão a se relacionar intimamente com o outro. Mas não creio que possamos resumir o desejo apenas a este ponto. Porque nada nos parece menos humano e bárbaro que o desejo tomado nele mesmo e somente naquilo que o origina. O que quero dizer – não posso condensar todo meu desejo por uma mulher em seu corpo instigante e em sua libido avassaladora e misteriosa. O problema está justamente em não se resumir a uma constante caça selvagem ao prazer as relações entre os homens. Não se pode negar que a dimensão ‘espiritual’ que constitui tudo aquilo que denominamos como humanidade se vislumbra tão somente no espírito, não no corpo.
Estou entendo o que você quer dizer...
Não tento mostrar uma separação entre o desejo carnal e o espiritual, mas antes ressaltar que o problema do desejo e do outro se potencializa quando agregamos a dimensão de alma humana, seus desejo e suas vontades.
E o que podemos concluir?
Não pretendo concluir: apenas mostrar de algum modo aquilo que tanto me faz sofrer, pelo modo como terminei este relacionamento.
E o que acha então de sairmos está noite?
Por que razão?
Porque além de saber que você me deseja – ainda que não tenha me dito isso eu sei que o sente – eu pareço ter descoberto uma forte atração pelo seu espírito, pela sua alma, não só pelo que você disse, mas principalmente pelo que você me mostrou realmente ser.
E isto lhe fez desejar sair comigo?
Reitero o convite.
Pois isto muito me surpreende...
Não te deveria surpreender as coisas do espírito.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Quero pôr meus pés na terra molhada
Quero entender que o amanhã
Incerto como a mais certa das hipóteses
Leva minha vida, minha cor, leva-me
Como que pelo vento do que não é ainda
Sem saber que pouco sabe o vento
Seja de onde vem, seja para onde vai
Quero pôr-me sob os galhos de uma árvore
Sob a sombra entardecida de Outono
Onde belas flores jazem mortas
Onde não mais se ouve a voz dos pássaros
O canto que florescia à luz do dia
Que não mais floresce hoje em dia
Sou levado tão somente a compor.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Momento fugaz, que anseia ser perene
O que vou dizer de fato não é nenhuma novidade - mais uma vez o populismo e a máquina do governo levaram mais uma eleição. O problema, contudo, é que isto se deveu em grande parte à estratégia política, executada pelo Governo Estadual em parceria com a União, de levar para bem longe uma parcela significativa dos cidadãos cariocas. Sim, me refiro a brilhante jogada de adiantar o feriado do servidor público destas duas esferas, de terça para segunda, emendando aqueles tão queridos e louvados "feriadões" pelo qual espera ansioso todo justo trabalhador [incluindo-me entre esses, claro]. O problema é que esse "feriadão" poderia comprometer o futuro de toda a cidade do Rio nos próximos quatro anos - E não é que comprometeu? Pois está aí, meus queridos - Há algum? - leitores: elegemos o "nosso" prefeito e pagaremos a pena por isso. Mas como: elegemos, nosso? Longe de mim! O problema é que, mesmo não fazendo parte da terrível massa que votou pela Paes, e o que é mais impressionante, não tendo fugido do meu dever cívico para alguma das incontáveis praias deste litoral abençoado, pagarei juntamente com todos por essa omissão, por esse descaso com a cidade e com seu futuro, cidade que possuía uma oportunidade histórica de tomar novo rumo e alcançar melhores ares... mas preferiram Paes... Se pudéssemos responsabilizar os culpados, condená-los! Mas quem? Os justos trabalhadores da máquina do governo, que preferiram o sol e as ondas a se imiscuírem em mais um pleito sem sentido? A massa votante que pelas ruas, pelos santinhos espalhados pela cidade, pelos cartazes dependurados nas janelas e nos carros, bradavam em alto e bom som a vontade de terminarem tudo em Paes? A nós que exercemos nosso dever de cidadãos e comprometidos com o futuro da cidade optamos pela cultura e não pelo populismo? De quem é a culpa? Parece-me que o verdadeiro culpado de tudo isso - e não posso resistir em dizer, porque esse demônio que se pôs ao meu lado não para de me perturbar com essas palavras! - Sim, me parece que o verdadeiro culpado, aquele que deve ser responsabilizado por todo o descaso e atraso e fracasso de uma cidade gloriosa, é ele, senão outro - Certamente devemos culpar este que ainda é o "nosso" prefeito: mais uma vez devemos culpá-lo, Cesar Maia! É sua a culpa por não ter também aderido a esta manobra política de adiantar o feriado, obrigando seus pobres e vitimados servidores municipais a comparecerem às urnas e decidirem pelo futuro sozinhos. Sim, o demônio tem razão - Cesar Maia é o culpado, o único e ninguém mais! Viva os cidadãos maravilhosos da cidade maravilhosa! (sic)
domingo, 26 de outubro de 2008
Nunca mais
Às vezes ela havia sorrido para mim. Claro que já havíamos trocado algumas frases, sempre referentes ou à aula ou à matéria, nunca nada além disso. Houve uma vez que ela tentou falar sobre uma dificuldade que estava tendo em chegar mais cedo para estudar. Algo por demais trivial, como quase sempre acontece entre colegas de classe – Mas por que não consegui dar seguimento? Por que não indagar um pouco mais sobre os motivos que a faziam não conseguir chegar cedo à faculdade? Por que não provocá-la para que ela enfim falasse sobre si mesma – para que então eu pudesse falar sobre mim? Por que minha boca se fechava ao mais ínfimo desejo de confessar o que sentia?
Ela era uma garota muito interessante. Talvez fosse por isso que meus lábios estavam imobilizados. E se soubesse que nunca mais a veria, que nossas vidas seguiriam rumos tão diversos, que nos afastaríamos por tanto tempo! Pois ontem, quando a vi na fila de uma peça de teatro, lindamente vestida, completamente divina – Ah, quanto tempo faz! Teria então coragem para lhe dizer o que há tanto tempo sinto por ela? Mas seria este sentimento o mesmo que aquele de doze anos atrás? Dez anos depois, meus olhos ainda me convenciam de que sim, que era ainda o mesmo sentimento. Talvez uma paixão ardente, um fogo inextinguível – Talvez fosse amor, como por nenhuma outra mulher eu havia sentido.
Pouco mais de doze pessoas me separavam dela. A fila permanecia imóvel, à espera do espetáculo. Ela conversava com outra mulher. Pareciam grandes amigas. Isso me deixava com receio. Depois de dez anos, falar de algo que ela mesma nem se recorda, diante de uma pessoa desconhecida... Passaria por louco, certamente. Mas estou louco de amor! Amo aquela mulher, como a nenhuma outra! Devo lutar por ela? – Não devo. Serei incompreendido. Neste momento, passarei apenas por inconveniente - e não quero esse fardo.
Um cara se aproximou das duas. Pôs-se ao lado dela e... ele a beijou! – Não pode ser, beijou a mulher que amo! Não, não é verdade! Como posso tê-la perdido? Assim, sem tentar ao menos? Dói-me tanto o peito! Ela nunca saberá tudo aquilo que senti... Saí da fila do teatro e da vida dela, para sempre. E estarei para sempre ferido em meu peito. Para sempre dilacerado pelo meu próprio destino.