Por que não procurar algo para fazer? Não podia. Não queria trair a si mesmo de novo, como fizera durante anos. Queria ao menos dessa vez ser fiel ao que sentia, ao seu coração, àquilo que sua alma alimentava há tempos e que ele nunca ouvira, nunca havia estado assim, posto a escutar sua voz, mas agora ouvia, estavam nítidos os sons do infinito, água que se chocava contra água produzindo aquele som gostoso, prazeroso, e o céu repleto de nuvens, cinzentas como sua mente, o beijo trovejante das nuvens carregadas de águas, e que lhe aturdiam a mente, lhe provocavam o pensamento – por que vivemos, para quê? Que sentido pode haver em existirmos, nós e as águas, as nuvens, as matas? Que razão de ser há para que estejamos aqui, para que agora eu esteja aqui, vendo-as, ouvindo o som que ressoa de seu mais íntimo e que me revela a nulidade, o nada que se esconde por trás de tudo isso: aquele ser que não é, que parece ser e não é, que me diz que sou, mas não sou, agora aqui nada sou, nada faço, nada falo, ser nulo e pleno de ausência, um vazio imenso que me toma a alma, este sopro de vida que como o ar nada mostra, nada deixa perdurar, mas movimenta minha mente, minha ausência interior para o nada que há no mundo, e então me encontro frente ao impulso de gritar, de soltar a voz e o vento que ressoa de dentro, um grito para expressar o nada de mim para o mundo, e me conectar a esta ausência eterna universal.
Talvez isso tudo me leve a concluir que não poderia viver sem trabalho, sem uma ocupação, sem aquilo que nos afugenta desta voz interior universal, e que nos faz esquecer, deixar de ouvir a nós mesmos, a voz do nada do mundo, o nada de nossa alma. Talvez este vazio não seja suportável. O mundo e a vida ao nosso redor se movem sem se preocuparem com esse vazio. O mundo e a vida a nossa volta estão imersos no esquecimento do nada, na ausência do ser, de seu ser. A chuva cai sem pensar em por que cair continuamente sobre a terra, sobre o meu telhado, e nem a água se faz perguntar por que ser antes chuva que mar, pois talvez ela não tenha essa opção – mas e nós? Por que estamos fadados a contemplar esse espetáculo inapreensível de nulidades infindas? Por que somos esse ser que sempre se pergunta pelo ser das coisas, e só encontra nada? O que é afinal esse nada universal? Não sou capaz de ver com clareza, não posso saber com certeza. Mas entrevejo ali algum proveito, talvez haja alguma esperança – uma esperança que se põe a esperar pelo nada...