Por que estas pulsões ocêanicas?

Pois é verdade que se eu não havia sequer pensado sobre uma metáfora que ilustrasse com precisão poética e elegância filosófica - sim, com precisão poética e elegância filosófica! - aquilo que encontro frente ao espelho, este reflexo que se produz em minha consciência: ao pensar na força do mar, no impacto voraz das ondas sobre as rochas, no ímpeto por vezes desmedido e incontido de uma pulsão marítima, oceânica, encontro nessa visão a pintura natural de minha própria natureza. E talvez só me falte descobrir onde o pintor escondeu seus pincéis... Mas para quê? Não há em tudo isso significativa - perfeição?

***

A poesia é a capacidade de condensar em belos versos a riqueza experiencial de nossas impressões. Ela é a mais elevada forma de arte literária - na verdade, literatura só é arte se participa intrinsecamente da poesia.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Edison Curie de Nequete - A morte, a vida.


Foi uma perda que não causou grandes alardes... Afinal, esse é o destino de quem jaz esquecido pela sociedade. Mas embora o pouco tempo que me sobra, neste final de ano apressado, só me tenha permitido escrever sobre este mestre da palavra agora, sete dias após sua morte, a lembrança de sua amizade e de sua brilhante e não pouco controversa personalidade se faz presente, ainda que não queira, em cada poesia que escrevo. Edison Nequete foi um velho conhecido, e a história de nossos encontros e reencontros esteve como que entremeada de grandes confusões. O velho ranzinza que perturbava nossas brincadeiras na infância tornou-se um mestre oportuno para este jovem artista, que percorria as primeiras vielas da poesia e da prosa. Os gritos que defenestrava contra nós quando crianças e o terror que nos fazia sentir de sua pessoa haviam se transformado em admiração pelo grande saber artístico que ele aos poucos compartilhava comigo. E não o fazia à toa - a admiração recíproca que ele havia expressado ao ver aquele menino irritante tornar-se um artista era o motor da sua certeza em não estar jogando conversa fora. Ao contrário, conversar com ele, embora nunca podendo gastar tanto tempo quanto se desejava, era poder parar aquela rotineira roda da vida, e perceber que as coisas podem ainda nos surpreender. Como ao ouvir suas últimas palavras, em nossa última conversa - "o maior mistério para nós não é a possibilidade ou não da existência de Deus, mas de que modo a matéria veio a existir, e o que ela é afinal: isso sempre será o maior de todos os mistérios". De fato, ainda hoje aquele pensamento me acompanha, aquele thaumazeîn pelo insondável, aquela incerteza que nos faz pensar. E suas lições, embora tenham perdido a voz original do mestre, jamais serão perdidas.

In memorian (1926-2010)

Augusto Mathias

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Diálogos com a physis II


– O amor, ah meu jovem, o amor! Que mistério pode haver que seja mais insondável?
– A morte, talvez.
– A morte? Ah, meu jovem, a morte! Isso não tem mistério algum. Morre-se e pronto.
– Assim também com o amor: ama-se e pronto.
– Aí você se engana. Isso denuncia a sua pouca idade para entender o que é o amor...
– Diga-me o que pode ser senão desejar muito alguém?
– Acredita ser o amor apenas um desejo?
– E por que não?
– Então que diferença há entre amar e desejar?
– É que o amor é um desejo mais forte.
– Mais forte quanto?
– Mais forte em sua intensidade.
– O que quer dizer?
– Em sua duração e em sua entrega.
– Diga-me então: quando você diz que ama uma mulher, o que isso significa?
– Quer dizer que eu a desejo intensamente.
– A tal ponto de não mais desejar outra mulher?
– Ah, meu velho, isso talvez não seja possível. Mas sei que a desejarei mais que qualquer outra!
– E sabe a razão desse desejo ser tão forte?
– Acredito que por acaso a gente acaba amando uma e não outra.
– O acaso é realmente um mistério... Mas o amor é ainda mais misterioso. Ele reflete não só o acaso das circunstâncias e das relações que nos levam a amar alguém. Ele ilustra a própria tecitura do universo.
– O que quer dizer?
– Pois veja. Você ama diferentes coisas de diferentes formas: uma mulher, sua mãe, seu filho, sua carreira, sua vida, etc.
– Isso certamente foge ao exemplo que foi dado.
– E foge igualmente da definição que você tentou oferecer sobre o amor. Quando se ama uma mãe não se deseja outra mãe, ou outro emprego, ou outra vida. Ama-se, e isso se torna suficiente para o amante.
– Por que então, quando se ama uma mulher, ainda se deseja outras?
– Entende o mistério? O sentimento que se sente por uma mulher é diferente daquele sentido em outros casos, e mesmo por vezes diferente do próprio modo como uma mulher ama um homem. Mas o maior mistério está nisso: o que nos permite dizer que tudo isso é amor, embora deveras distintos? O que estaria abrigado por detrás desta expressão, deste conceito – amor?
– Talvez já tenhamos esboçado uma resposta.
– Não me recordo qual possa ser.
– Pois veja. Se eu digo que amo uma mulher, do mesmo modo que amo uma mãe ou um emprego, parece que quero dizê-lo em relação a todos os outros que não amo, mas que fundamentam esse amor. Quando amo minha mãe, desejo nela tudo o que poderia desejar em uma mãe para mim. O mesmo se dá com você. Significa dizer que o amor ilustra uma certa conjugação de toda uma gama de desejos relacionados entre si, e que por fim confluem em um único sentimento.
– Se você está certo, quando amo uma mulher é o mesmo que dizer que desejo em uma tudo aquilo que poderia desejar em muitas.
– Exatamente.
– A multiplicidade então se encontraria sob a égide da unidade relacional. Ou seja, um único sentimento se torna capaz de reunir e unir muitos sentimentos em relação; um desejo, muitos desejos; uma vontade, muitas vontades.
– Parece que descobrimos o mistério do amor.
– Talvez ainda não.
– O que faltaria?
– Saber por que razão continuamos desejando outras mulheres, e não outras mães e outras vidas.
– Bem, talvez seja parte da nossa fisiologia.
– Mas não seria impossível então, ao homem, amar?
– Talvez, mais do que todos, o amor de um homem por uma mulher configure algo de sobrenatural, metafísico, suprassensível.
– Ah, meu jovem. Chegamos ao ponto em que eu dizia que isso configura a própria tecitura do universo. O amor é o mistério do cosmos dentro de nós.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A novidade intelectual (sic)


Foi em Afrodite que Angela Bismarchi buscou inspiração para escrever seu primeiro livro - “A bíblia do sexo : Os meus 10 mandamentos escritos no monte de Vênus”, que será lançado no próximo mês. Mas bem que sua fonte de inspiração poderia ser outro ser mitológico. Narciso, deus da vaidade, é quem sempre lhe perseguiu a partir da fama que projetou Ângela nacionalmente. Conhecida pelas dezenas de plásticas que já fez, a ponto de perder a conta – “São mais de quarenta”, diz, imprecisa – Ângela agora quer mostrar que também tem conteúdo.

iG: Por que fazer um livro sobre sexo?
ANGELA BISMARCHI: Este livro está pronto há dois anos, tudo por causa do meu twitter. Já tinha a conta antes, mas estava meio parada. Resolvi voltar há dois meses, escrevendo coisas e dicas sobre sexo. É incrível como tem gente com dúvida sobre o assunto. A ideia é mostrar este meu outro lado, o de escritora e intelectual. Não sou apenas uma mulher bonita, de corpão. A maior transformação da minha vida foi perceber que posso também ser intelectual. [grifo meu, para atrair vossa atenção para essa...]
Fonte: IG

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Agora é Dilma


A queda de braços teve fim, finalmente. O horário eleitoral e os debates já estavam beirando a tortura, ao menos para quem, como eu, vê neles alguma possibilidade de conhecimento (senão acerca dos candidatos, pelo menos de como se faz uso hoje da retórica na política, para a criação propagandista de uma imagem que torne possível a venda de um produto partidário). E a já esperada surpresa de se ter como vitoriosa no pleito nacional pela primeira vez uma mulher demonstra apenas que espécie de poder se configurou em torno da personalidade do excelentíssimo senhor (ainda) presidente. A força meteórica que sua candidata alcançou em tão pouco tempo, e com o agrave de nunca ter participado de qualquer outra eleição, revela no final das contas que o barbudinho petista é a maior referência política da atualidade brasileira. Esses músculos da Dilma certamente foram gerados pelos anabolizantes populares do seu padrinho Lula.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Diálogos com a physis



– O que mais me seduz nesta visão...
– Qual visão?
– Esta aqui, bem à frente: o movimento das águas descendo em cascata...
– Espetacular, realmente!
– Então, era disso que eu falava, deste movimento... É o que mais me seduz, não propriamente o fato de as águas se moverem, mas de nós conseguirmos apreender algo assim tão imaterial.
– Mas o movimento é físico, não? Ao menos não é o que se estuda em física?
– Estuda-se o movimento pelas suas consequências, a partir de algo que está se movendo, mas não o movimento em si mesmo, como algo material. Isso seria impossível!
– Mas então teríamos de dizer que o ar também é imaterial?
– Por que razão?
– Porque o estudamos por suas consequências, como quando analisamos sua pressão ou sua temperatura...
– Mas é exatamente isso o que estou dizendo!
– Isso o quê?
– O que eu quis dizer é que o movimento é algo como a pressão e a temperatura, para tomar o seu exemplo. É algo que apreendemos das coisas, embora não exista por si mesmo.
– Quer dizer com isso que o movimento é algo como a temperatura, e que ambos são semelhantes porque são coisas imateriais, ou seja, que não existem como entes?
– Assim como eles são também semelhantes à nossa alma...
– Como assim?
– Pois da mesma forma que o movimento não pode ser apreendido sem os entes que se movem, posto que o movimento não existe por si mesmo, assim também a alma possui uma outra natureza, diferente dos corpos que a manifestam e sem os quais não a poderíamos apreender.
– Deve-se concluir então que a alma não existe sem estes mesmos corpos que a manifestam?
– Na verdade, não temos meios suficientes de provar que o imaterial pode perdurar sem a matéria...
– Então apreciemos a paisagem apenas, e deixemos essas coisas de lado!
– Como seria possível apreciarmos esta paisagem se deixamos estas coisas de lado? Uma tal postura seria tudo, menos apreciação...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Faltam 4 dias... pra nada...


Cada vez mais a política brasileira tem se tornado um jogo vazio de posição e oposição, sem possuir qualquer fundamento mais sólido em princípios realmente divergentes. O que diferencia PT e PSDB, grosso modo, não está mais no âmbito da essência partidária ideológica, quando as posições divergentes eram de fato diversas e antagônicas. Hoje se constata um mero ludibriar retórico das situações e dos problemas do país, sem aprofundá-los com o objetivo primordial da transformação. O trio "petista" que se candidata à presidência - é inegável a procedência vermelha tanto de Marina quanto do senhor Plínio e do seu PSOL - em muito pouco se distingue do seu arquival tucano, senão em saber como gestar o governo e quais seriam suas prioridades. No fundo, a palavra de ouro destas eleições, e se quiser das próximas que viram, é escolher entre prioridades, não mais entre valores e princípios. Estes já estão ultrapassados, é um ranso preterido aos comunistas de plantão. Mas a que se deveu tudo isso? Quem ou o que foi a causa desta crise política?
Alguém duvida dos poderes deste barbudinho pós-moderno?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Prelúdio de um diálogo - Ou sobre a sensibilidade do insensível


Quando olhamos as fortes águas de uma cachoeira, a descerem abaixo ao encontro de outras tantas águas de um rio, as sensações que nos tomam são das mais diversas. Mas acima de tudo, olhamos para o movimento das águas e pensamos – as águas se movem. Todo aquele mover-se nos faz pensar na existência de alguma coisa que está para além da materialidade das águas em movimento, nos leva a tomar ciência de que há algo que se processa para além daquilo que podemos ver. A percepção da imaterialidade do movimento é em última instância a percepção de algo que pertence a uma outra natureza, que está aqui e que não se resume ao físico. O movimento é de outra ordem. A natureza do movimento é metafísica. Isto parece nos mostrar a existência de ao menos duas dimensões de natureza senão no mundo e nas coisas, ao menos em nós, que as percebemos. Ao menos em nós deve existir algo que transcende a própria fisiologia humana.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Qual é de fato o movimento da terra?


Antes de confiarmos no que vemos, faz-se preciso ouvir a voz da dúvida e da imprecisão, como se fossem músicas em constante harmonia com nosso efêmero existir.

Vale a pena uma apreciação atenta da filósofa Hipátia, brilhantemente reproduzida em Ágora.

http://www.agoralapelicula.com/

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dor de elite é dor de todos...



Aqui no Brasil padecemos de um mal talvez incurável: somos devotos das classes mais elevadas, seja no que diz respeito à moda, a padrões de comportamento, à cultura, seja mesmo às reações que a nossa adorável burguesia costuma defenestrar quando ferida ou violentada. O último caso, but not least, e que nem mesmo será o último, experimentamos quase todos os dias nos noticiários e jornais da TV ou nos impressos, principalmente aqueles vinculados ao mundo Global. A morte (poderíamos dizer, humanamente sensibilizados: trágica) do filho da atriz Cissa Guimarães repercutiu de um modo avassaladoramente espetaculoso nas mídias do país, e se tornou, sem exageros propositais, uma tragédia nacional. Mas quem era Rafael Mascarenhas? Para quem não fazia parte de seu círculo de amigos era apenas o filho de famosos, garoto carioca zona-sul, que dispõe de todo o tempo (leia-se: $$$) para curtir o que a vida podia e pode oferecer a quem (quer? sic.) pode pagar. E no que ele se transformou após a tragédia? Num músico vitimizado pela barbaridade de outros e mais desmiolados garotos zona-sul? Num jovem que perdeu seu futuro (realmente bastante promissor, leia-se aí novamente: $$$) por causa da irresponsabilidade, devemos dizer, de outro jovem tal como ele, de mesma classe e de futuros similares? A perda irreparável de um filho foi aqui elevada ao grau de perda nacional! A festinha realizada por amigos e familiares no local do acidente na madrugada de ontem, com direito a grafites e menções a um pedido de mudar o nome do túnel em favor do jovem, tudo devidamente permitido (e por que não seria, hein?) pela digníssima Prefeitura do Rio, só serviu para nos mostrar que a elite é quem manda no Estado Democrático de Direito no Brasil. Vivemos numa oligarquia financeira, tem-se que admitir, e cada vez mais as funções do Estado se voltam para esta pequena classe de adultos endinheirados e jovens promissores que acreditam governar este país. O problema é que o povo constitucionalmente soberano permitiu e permite esta baderna com o que é público. O povo daqui se deslumbra com o luxo das classes mais elevadas, com seu modo de vida vazio de sentido, com sua fugacidade. A realidade dura demais dos menos favorecidos não se vê contemplada desse modo pela mídia ou pelo Estado. Afinal, são menos favorecidos justamente porque lhes falta esta contemplação. Mas quem iria querer contemplar com minutos preciosos na televisão ou nas páginas concorridas dos jornais os pesares e desprazeres daqueles que são obrigados a viver de verdade? Que pobre garoto de favela pode sonhar um dia em ver seu nome posto num local para homenageá-lo, seja mesmo em sua morte? Pode ser que o pobre cidadão não merecesse tal coisa. Mas o jovem promissor vítima da futilidade de nossa classe mais elevada não, ele merece, merece todas as honras do Estado e do povo, por que não? Afinal, se ele nada foi para a sociedade, era ao menos um anjo que se foi...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A metamorfose - F. Kafka



Quereria, efetivamente, que o quarto acolhedor, tão confortavelmente equipado com a velha mobília da família, se transformasse numa caverna nua onde decerto poderia arrastar-se livremente em todas as direções, à custa do simultâneo abandono de qualquer reminiscência do seu passado humano?

by Kafka

Um livro inquietante para um tempo irrequieto...

domingo, 4 de julho de 2010

Beautiful, Dirty, Rich!



Alguém poderia dizer que a nova lady fatal que a música pop ganhou nos últimos anos seja apenas isso - apenas uma dentre inúmeras outras ladys fatais da música pop. A exemplo da maravilhosa Beyoncé, da caliente Shakira, de Rihana e o conjunto de beldades do Pussycat dolls, ou qualquer das inúmeras outras divas que circulam pelo mundo e pela internet, no melhor estilo consuma-o-que-lhe-agrada, Lady Gaga parece ter chegado no mundo dos paparazzis para ficar, já que sua música e seus vídeos são tão envolventes e tão polêmicos quanto deseja seu público, que só faz aumentar. Mas ela nos oferece mais. A lady fatal de Bad Romance não é uma cópia desmerecida da deusa Like a Virgin, não é uma Spears perdida em seu processo mimético, nem mesmo um produto meramente frabricado a partir da genialidade de Michael Jackson e dos mestres do cinema. Gaga se cria a si mesma, é verdade, como um produto que visa unicamente a fama, o público, o mundo. Um produto, entretanto, que emerge em sua agressividade objetiva com a força de uma lenda, recolhendo das mais variadas fontes, as melhores, o seu melhor a oferecer, pois como uma amante desta Fame Monster, Gaga sabe exatamente o tempo que ela pode durar. E ela quer mais, quer ir além do tempo. A eternidade é o limite para aqueles que se apoiam sobre os ombros de gigantes, desde que ele mesmo tenha tamanho suficiente para subir em seus ombros. E a musa sexual de Alejandro é sim, como se vê, uma gigante. Embora próxima demais de nós, o que nos impeça de ver sua real grandeza. Talvez, quem sabe, em uma época ulterior, onde algum outro gigante se apoiará sobre seus ombros, para continuar a caminhada, sem chegar ao infinito da potência humana.

Outra triste despedida


A seleção brasileira se despediu do mundial de futebol, e no fim a globo parece ter tido sua revange na batalha contra o técnico que a enfrentara. Porque um homem só não pode muita coisa, e a única coisa que lhe poderia dar poder foi perdida para os laranjinhas. Sorte para o canal (e seu monopólio cultural); triste para nós, povo brasileiro.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Uma triste despedida


As letras portuguesas, que diz respeito aqui a todos os países que adotaram a língua de Portugal, tiveram uma triste notícia nesta sexta-feira, dia 19 - Morria aos 87 anos um dos maiores escritores de nossa língua, para mim o maior de nossos romancistas vivos, mas que nos deixou, infelizmente. José Saramago era inconfundivelmente um brilhante articulador de discursos, um hábil perito em criar enredos e recriar mundos imaginados. Seus livros são um atestado de que a palavra em português possui uma força própria, capaz de seduzir, envolver e provocar qualquer homem que esteja diante de um texto seu. O modo próprio que suas histórias foram forjadas sugerem certa dedicação lapidar e escultural, que torna a obra escrita uma instigante obra de arte. Uma obra que vale não apenas pela visitação, mas principalmente pela experiência arrebatadora de ser conduzido por esse mago das palavras ao mais alto prazer provocado pelo sentir poético. Sem dúvidas, Saramago foi mesmo esse mago português de tão belas e inesquecíveis palavras (portuguesas).

Talvez agora de algum modo eu possa retomar minha (desejosa) tentativa de trabalhar cada livro que compõe a obra deste mestre português quando, ao traçar as linhas gerais de seu útlimo livro (Caim, ver comentários nos arquivos), havia me dado a tarefa de pensar os outros livros mais detidamente. Quisera essa vida moderna tão corrida me desse o tempo necessário para tamanho prazer...

terça-feira, 1 de junho de 2010

O gozo do divino - Enigma


Se tivesse agora de me confessar a alguém sobre meus pecados e concupiscências, tenho certeza de que não seria nada muito diferente daquela primeira vez em que tive de comparecer perante o altar ao lado de um padre, para apresentar a Deus (a ele, na verdade) meus deslizes infanto-juvenis. Já naquela época o essencial de minha natureza se revelava: esta mistura que me é própria e que confluía os desejos lascivos de perversidade sexual e os impulsos constantes em busca do divino. A polaridade sexo-divindade ainda se mantém, embora não mais encarnando aquela arrogante pretensão cristã de macular o corpo em favor da alma. Meus desejos mais fortes se coadunam agora numa espécie de indissociável relação erótica, amorosa, divinal. O prazer suscitado pelo corpo, as sensações de gozo e de fascínio pela prática sexual estão como que imbricadas, sem nenhuma condenação, aos desejos pelo prazer em alcançar o divino. Poderia ser que essa relação revelasse uma tentativa desesperada de tornar santo o promíscuo, mas ao contrário – é antes o divino que se mostra tão mais celestial e intenso quanto for mais intenso e profundo o gozo alcançado pelo sexo. Em outras palavras, não há como negar que o prazer de tocar o próprio ser dos deuses é admiravelmente similar ao orgasmo incontrolável e avassalador. Aquela imagem de um panteão divino casto e celibatário não condiz com a própria noção da divindade e do que seja o divino

Neste ponto, e talvez Schopenhauer tivesse razão, a Vontade é o que subjaz todas as coisas, é o Ser do mundo e de nós mesmos. E em sendo deste modo, a música é a arte por excelência da possibilidade humana de tocar o divino, de vislumbrá-lo, ou ao menos entrevê-lo, visto que sua realização é a própria manifestação da Vontade essencial. O homem é incapaz de existir sem música, sem esse instrumento que lhe permite aos poucos chegar a ver a divindade em sua incessante pulsão erótica. E embora ao longo das eras a música adote certas características particulares, ela sempre será essa força humana de conexão com o divino. Principalmente a música instrumental, como Nietzsche ressaltava, que em sua essencialidade musical nos faz sucumbir à força da Vontade.

Enigma é um projeto musical alemão de "New Age" dance, que conflui toda a plasticidade envolvente dos instrumentos de diferentes tipos e origens com as batidas entorpecentes da música dance. Aqui não apenas a mente se vê arrebatada, também o corpo é arrastado do mesmo modo e ao mesmo tempo para o fluxo divino da erupção sexual. Não se é capaz de ouvir seus projetos e permanecer insensível ao desejo pelo sexo e ao sabor do manjar dos deuses. A Vontade aqui é plenamente essencial.

Vale a pena se deixar arrebatar...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Esse caso é uma coisa...


Um homem que vive na Alemanha foi processado por não conseguir engravidar a mulher do vizinho, depois de ser contratado por 2 mil euros (cerca de R$ 5,7 mil) para isso. Apesar de Frank Maus receber a quantia, descobriu-se depois de seis meses de tentativa que ele é estéril.

Demetrius Soupolos e a mulher, Traute, queriam ter uma criança, mas descobriram que Soupolos não poderia ter filhos. Por isso, decidiram contratar Maus, na esperança que o homem casado e com dois filhos pudesse engravidar Traute. A informação foi divulgada pela publicação alemã “Bild”.

Depois de seis meses e nenhuma gravidez – com uma média de tentativas de três vezes por semana --, Soupolos insistiu para que Maus passasse por exames médicos. Os testes mostraram que o vizinho também é estéril. Por isso, a mulher de Maus foi obrigada a admitir que as duas crianças não eram dele.

Fonte:G1

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A vida refletida


Quando alguém se deixa incomodar pela indagação do sentido da vida, o seu existir se deixa ele também incomodar com a efemeridade do simples viver. E então já não se vive simplesmente, já não se deixa a vida seguir apenas pela necessidade de seguir, de viver - A vida perseguirá de um modo incômodo uma razão para se dar, e para ser. Uma vida assim incomodada não se deixa viver simplesmente. E então alguém poderia dizer que no fundo o que há é uma morte contínua da vida, um morrer constante pelo pensamento - ou será na verdade tudo isso o único modo de se realmente viver?

"Uma vida não examinada não merece ser vivida" - Sócrates

Essas coisas nossas de cada dia... Ou a vida moderna em um flash sexual

Homem processa médico após 30 horas de ereção

O belga Yves Lecompte, de 40 anos, entrou com um processo na Justiça de Courtrai, na Bélgica, contra seu ex-médico depois que teve uma ereção de 34 horas que o deixou impotente, segundo reportagem do jornal “Sud Presse”.

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Scanner mostra tamanho de pênis e americano vira motivo de piada

Funcionário do aeroporto de Miami, nos Estados Unidos, o agente Rolando Negrin, de 44 anos, virou motivo de piada entre os colegas depois de passar por um scanner corporal, que mostrou o tamanho de seu pênis.

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Idosa namora neto biológico e será mãe aos 72 anos

Pearl Carter, de 72 anos, está enfrentando muitos olhares tortos nos Estados Unidos desde que assumiu o namoro com seu neto biológico, Phil Baile, de 26 anos. Como se não bastasse, o polêmico casal ainda terá um filho concebido com a ajuda de uma barriga de aluguel. A história foi publicada pela revista neozelandesa "New Idea".

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Advogada é demitida por escrever contos eróticos na net (até que ela leva jeito...)

A imaginação da Deidre Clark rendeu sua demissão de um renomado escritório de advocacia internacional. A advogada foi dispensada depois que os sócios da empresa descobriram que a profissional escrevia contos eróticos na internet.

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Chinesa confunde ladrão com marido e tenta fazer sexo com invasor

Uma chinesa confundiu um ladrão com seu marido e tentou fazer sexo com o homem que havia invadido no dia 13 de janeiro sua casa em Changsha, na província de Hunan, segundo reportagem do jornal "China Daily".

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Inglês admite ter abusado sexualmente de burro e cavalo

Um homem de 66 anos de idade foi acusado de abusar sexualmente de um burro e de um cavalo em Leicester, na Inglaterra.

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Para mostrar que a realidade também está cheia de ficções eróticas...

Fonte: G1

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O bom homem mau


Quando alguém chegou e disse "este pedaço de terra é meu!" iniciou-se então o processo de desigualdade entre os homens. Mas o bom selvagem de Rousseau tinha um problema - ele era bom por natureza. Alguém em nosso tempo poderia ainda acreditar que o homem seja bom por natureza? Ou antes - há alguma bondade ou maldade na natureza, deixada ela mesma em seu próprio desenrolar-se? Somos nós quem criamos o bom e o mau, nós nos tornamos devotados a um padrão de comportamento ao qual nos referimos. Nós criamos o homem - criamos a nós mesmos. E não haveria em tudo isso siginificativa 'maldade'? Ao contrário! O ato de modificarmos nossa natureza faz parte, como tendência inalienável, de nossa própria natureza. Somos algo entre as bestas e os deuses. Somos intermediários, indefinidos porque em constante definição de si, inconstantes porque em constante afirmação do que não pode se eternizar. E então se diria - isso tudo é bom, mau, ruim? Não há valoração na natureza. Somos isso - e nada além disso. Talvez esta certeza nos ajude a entender melhor para onde caminhamos. Talvez essa certeza não nos ajude em nada, e provoque em muitos um profundo niilismo incurável. Mas não podemos abrir mão da certeza. Afinal, ter certezas faz parte da nossa natureza humana, demasiadamente humana.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Desespero



O descaso do acaso me perturba
faz pensar que estamos naufragando,
estas ondas, o vento forte, aquela dor
e a angústia que se vai acumulando -

Há meio de afastar esse temor
sem que o medo nos tenha afundado?

Entre essa sensação de desespero
e a verdade que nos traga salvação
só há pois o fundo fosso do incerto
onde ninguém sobrevive desde então.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Mundo sombrio


Esse ano é ano de disputa presidencial, favorecido sempre pela bela euforia que só uma copa do mundo pode provocar numa alma como a nossa... Contudo, o que me parecerá ser mais surpreendente não é a vitória brasileira em terras africanas, mas a vitória do desconhecido em nossa própria terra. O mundo tupiniquim está mais sombrio esse ano. O que será de nós nessa decisão preparada, em que somos os próprios responsáveis pelo empate ou pela derrota? Sim, porque vitória mesmo só haverá, e se houver, em outros lugares, entre aqueles que são - quem diria! - nossos antepassados... Que os deuses e os orixás nos ajudem!

Quando a distância separa dos pontos, duas margens, dois instantes que desejariam estar entrelaçados, próximos, pontualmente unidos - então se fez nascer um fluxo, um afluir. Então se entreviu o sentido de ser do mundo, no mundo, em tudo. Esse espaço que há entre os dois pontos não é mais que um desejo. O mundo é vontade e sua representação.

domingo, 14 de março de 2010

O dizer poético


O dito é a máxima expressão do que não se pode dizer. É a sua recusa em aceitar tal limite. É prever que nada pode nos impedir quando de fato a alma sente em si pulsar aquele fogo fátuo da vida eternizada em poucas, muito poucas palavras. Porque não se pode querer mais de tão pouco tempo. E mesmo assim insistimos. É claro, porque algo perdura ainda em meio a tudo isso. A chama parece não se afugentar tão displicentemente quanto muitos gostariam. A vida sempre encontra o seu meio. E para nós, nada substitui com maior vigor e pujança aquela sensação de eternidade na beleza – a poesia é somente e apenas o pulsar do tempo eternamente engrandecido por seres tão minúsculos e efêmeros.

E a beleza está aí. Neste sentimento consolador que move o poeta em harmonia com a canção mais insondável, escondida por trás do mundo, no mundo, aquela música que nos move e co-move a alma, os olhos, o pulso sanguíneo. E a sonoridade das palavras reunidas na poesia nos faz ouvir uma música diferente, diversa, quase mesmo inaudita se para tais palavras não estivermos munidos de bons ouvidos sensitivos. As imagens que afloram são cenas de um musical operístico, são fleches passados que a todo instante emergem e se entrelaçam no jogo imagético de ouvir a si mesmo e o mundo.

São nestes momentos sem dúvida que mais uma vez descobrimos não haver qualquer distinção entre homem e mundo. Pois a beleza está aí, sempre tão brilhantemente cantada pela mais vigorosa de todas as expressões artísticas de que o homem é capaz. São pelas palavras que o mundo torna-se aquele lunático espetáculo acima dos estábulos que tantas vezes ocorre aqui dentro de toda alma, por menos poética que ela seja.

sábado, 13 de março de 2010

O menino e a ave



Quando o menino avistou uma ave no chão, naquele momento em que as asas do animal estavam feridas e sangravam, ele sentiu seu corpo remoer-se por dentro numa mistura de asco e prazer. Não entendia, mas soube depois - porque o fato de não ter asas fez aquela pequena ave por um momento render-se aos seus pés, como se implorasse sua compaixão. O sofrimento do animal lhe partiu o peito em dor, as lágrimas desciam pelo rosto, mas ele permaneceu imóvel, sem esboçar reação. O doce da lágrima lhe tocou a boca, o peito disparava em ritmos intensos, incontroláveis. O sol se escondia aos poucos no horizonte. E ali ele permaneceu até que a lua lhe iluminasse o rosto, novamente revelando as lágrimas que não podia conter pela morte do animal que lhe pedira ajuda, mas que ele não pôde ajudar. Não entendia, mas soube depois - porque ele, embora sonhasse dia e noite com isso, não sabia voar.
E voltou para casa um pouco mais feliz.

sexta-feira, 12 de março de 2010


Quando todos os fatos da nossa vida tiverem passado, então poderemos dizer que ali jazíamos por inteiro. A vida só se realiza plenamente quando termina.

Lou Salomé



"só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro"



"Pois, nos seio mesmo da paixão, nunca se deve tratar de "conhecer perfeitamente o outro": por mais que progridam neste conhecimento, a paixão restabelece constantemente entre os dois este contato fecundo que não pode se comparar a nenhuma relação de simpatia e os coloca de novo em sua relação original: a violência do espanto que cada um deles produz sobre o outro e que põe limites a toda tentativa de apreender objetivamente este parceiro. É terrível de dizer, mas, no fundo, o amante não está querendo saber "quem é" em realidade seu parceiro. Estouvado em seu egoísmo, ele se contenta de saber que o outro lhe faz um bem incompreensível... os amantes permanecem um para o outro, em última análise, um mistério."


No dia em que eu estiver no meu leito de morte
Faísca que se apagou -,
Acaricia ainda uma vez meus cabelos
Com tua mão bem-amada
Antes que devolvam à terra
O que deve voltar à terra,
Pousa sobre minha boca que amaste
Ainda um beijo.
Mas não esqueças: no esquife estrangeiro
Eu só repouso em aparência
Porque em ti minha vida se refugiou
E agora sou toda tua

[Hino à morte]


By Lou Andreas-Salomé


Como se ela pudesse dizer tudo que precisa ser dito sobre a paixão...

Penso que sinto



Penso todas as noites nas noites
que não passei ao seu lado,
penso em todas as horas que vi
meu corpo ali, abandonado.


Penso: sem seu existir não existe
o eu querer ser amado,
penso que de pensar já basta
o estar aqui, envergonhado.


E então me calo, pois sinto -
sinto em amá-la sem pecado.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Caim de novo em novos trajes


A sagacidade crítica com que Saramago mergulha no mundo mítico do judaísmo em seu livro mais recente é de nos tirar o fôlego, e nos leva a uma assustadora jornada pelo conflito entre a fé e a razão de um homem posto a contemplar todos os absurdos que o deus deste povo é capaz de praticar para levar seus súditos à reverência. O berço cultural do cristianismo está aqui transpassado pelo vigor das letras lusitanas de um dos maiores escritores vivos, e talvez o maior deles em língua portuguesa - O Caim de Saramago é um alimento para o espírito inconformado, que encontra na ironia a própria essência da crítica sábia, itinerante, que não se limita aos ditames da racionalidade acadêmica e formal, mas que pulsa no peito aquela serena jovialidade do artista acima das filiações, dos partidarismos, para expressar a angústia da alma em busca da beleza essencial do mundo e de nós mesmos... E não à toa a ironia nasceu juntamente com o espírito filosófico, com a paixão pela descoberta do novo, do outro, de tudo; e é pela ironia que Saramago nos mostra um "novo" antigo testamento, uma "nova" mitologia, um "novo" deus. A força de sua novidade pode ser apreciada neste belo verso a traduzir toda a grandeza que seu texto nos inspira nesta volta ao passado - Havia uma nuvem escura no alto do monte Sinai, ali estava o senhor.

A sua voz



No toque, no olhar,
na rima incontida de um gesto
no pulso pulsante da canção
que não se desfaz na boca
como mel, mas alimenta,
alivia, dá prazer... Assim,
mesmo que pudesse evitar
já não posso,
já não sou capaz de ouvir a voz
daquela insegurança que
tanto, tanto me aprisionava.
Agora aqui mesmo só
uma voz que me toma
que me invade
apenas uma palavra que me enleva
que me alegra, que me diz
– siga e não tente entender,
ouça e não tente escutar,
pois não há nada além do que
apenas o instante, o agora
tão-só para sempre o amar.


Começando tardiamente cedo



Pois é, o ano já começou e a intensidade com que deu as caras me fez sentir que as coisas vão acontecer na mesma velocidade que o tempo transcorre nestes tempos alucinantes. Espero fazer um boa viagem...